Ela era miudinha, muito pequenina.

Quando morreu, caixão pequeno, as rendas as rosas, assustavam, porque para o meu olhar de criança, ela tinha sido uma fortaleza. Ao pó, dizem.

Os velórios são bonitos, o miúdo caixão em exposição para permitir que parentes, amigos e outros interessados possam honrar a memória antes que aquelas terras todas, pesadas, imutáveis e férteis a cubram.

Era uma autoridade, principalmente religiosa, o que mais se falava, ela tinha muita fé. Sempre fazia crochê, sempre estava sentada com linhas e agulhas. Gostava de flores e de plantas, o que a deixavam muito emocionada. Ela era uma rocha, firme, aguentava tudo. Aprendeu assim, talvez tivesse medo do que estava fora, fora dela, livre. Casou cedo, muito cedo, muito. Quase criança. Casou sem amor, sem amado. O amor vem à força né, menina. Era uma rocha, dali não saía lágrima. Todas as bestagis do mundo eram resolvidas no terço. Ou naquela olhadinha por cima dos óculos, sem parar o trançado das linhas. A gente, de outra geração, filhos dos filhos, achava que a comida que ela preparava era cheia de amor, temperos, carinho e abundância. Vi depois que não era bem assim, ô menina, ria, detesto cozinhar. (A gente, as crianças, só tomávamos café do segundo coado. E eu nem gostava de café ainda, só do cheiro). Só cozinhei a vida toda porque era obrigada. Nisso gargalhava. Ela nunca sentara à mesa conosco. Comia em pé, na cozinha, prato na mão. Mas Vó… quieta, boca miúda. É assim. A gente só aguenta. Nunca quis contar nada, caso nenhum, só aqueles de riso frouxo. Porque mulher é assim, só temos que aguentar, mais nada. Mas ainda assim eu a olhava com admiração. Olhava-a com carinho, queria conseguir entrar ali, dentro daquele sentimento. Até que um dia desisti. Eu queria era fechar fechadura por fechadura, porta por porta.

Agora choro compulsivamente, estou com medo dela ter vindo morar em mim.

Calada
Calada
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