Garcia lhe mostrara algumas saídas para esse estado. Sentia nele uma pessoa que pudera confiar seus desequilíbrios e suas angústias sem temor. Ele a incentivara naquela sua empreitada de confronto e isso lhe dava forças. Respirava melhor ao lembrar das conversas que tinham, e ter seu número sempre à mão lhe emprestava coragem. Falava sobre bagunça, sempre a bagunça, como um código. Ensinou-lhe o desejo de escrever, naquele exercício diário de descrever seu cotidiano. A ansiedade diminuíra com esse hábito adquirido (tinha um pequeno boneco em forma de peixinho que ganhara de presente fazia muito tempo) e somado a outros pequenos fóruns prosseguia. Considerava-se quase completamente liberta. Faltava pouco. Com a sua ajuda, assim que começou a enxergar a mágoa, a vida começou a fluir.

Procura algo para comer, primeiro sinal de que a crise foi controlada (não demorou mais que dois minutos). Encontra granola, leite, pêra. Precisa de sal, sente a pressão baixa, resolve por fazer uma massa. Já foi ótima nisso, fazer coisas de comer rápidas e com delícias. Faz tempo que perdeu o gosto por essa alquimia, e se rende ao básico do básico. Está ótimo e de bom tamanho. Quando não se tolera a incerteza e os papéis dourados já não são suficientes, enternece. Sabe que se render é um pouco de felicidade. Deixa o prato, copo e panelas para lavar depois naquele exercício de ‘deixar um pouco as coisas’ e se decide por uma taça de vinho. Amanhã, amanhã será um dia com muitos afazeres – tem sua lista: sacolão (batata baroa, abóbora, cebola, pimentão, tomate cereja, alho e maçã), banco (pode ser resolvido até sexta, mas quanto antes melhor), procurar telefone de um eletricista, supermercado (açúcar, leite, vinho, pão integral). Tranquilo, nada muito difícil. Se ocupar das suas próprias questões tem sido uma construção do seu próprio espaço. Morava sozinha e assim provavelmente permaneceria. Questões práticas eram tratadas com critério para uma boa sobrevivência.

Desde menina sonhara criar condições de um pequeno mundo em que pudesse desenvolver as suas próprias regras e limites, um lugar onde pudesse ter ar e de ser muito capaz de viver para si mesma – de construir seu próprio tempo. Claro que quando menina não imaginaria a dificuldade que o morar sozinha acarretava. Solidão, abandono, medo, angústia. Senta-se no computador, lê emails, classifica-os com estrelinhas (os mais importantes) e fica pulando entre o facebook e alguns blogs que acompanha. Quase quatro horas depois já adormece com facilidade.

 

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