Polaridade

Acordou hoje de manhã para descobrir uma miçanga perdida em um dos cantos do quarto, acordou hoje de manhã precipitada e desvairada. Inerente a todas as coisas, o filme-carta passou diante dos seus olhos. Em face do desconhecido e do horror do dia a dia que terá de lidar, jornadas frutíferas, trocas valiosas e ajudas espontâneas fazem o brilho dos dias. O objetivo todo deveria ser reconhecer e satisfazer a natureza sonhadora da existência, qualquer que seja ela. Há mais resolução, mais brilho, uma clareza, uma sensação, uma dimensão.

Confiante naquilo que descobriu na solidão de um não-sono, quis se envolver com o pós-amanhecer com alegrias e águas. Eu cresci católica e minha mãe permanece até hoje realmente motivada por essa religião. A crença nas multidimensões é apenas um formato, um outro formato, não um questionamento. Porque eu acho que há um peso para o processo de pensamento religioso, uma espécie de peso emocional. Como você se sente sendo sozinha? Como você se sente sendo repetidamente substituída? Eu trago pra você pequenas explosões, ouviu ao longe.

Eu não vou chamar de profundidade o que implicaria em monte de outras coisas, mas certamente há uma espécie de amarras sobre isso. Como quando você não é necessariamente destinado a se divertir muito nesse mundo, enquanto os dramas estavam em preto e branco. Não mais mitificar e oferecer respostas. O que é mais perigoso é quando construímos uma mitologia qualquer para dar respostas e ditar o significado e a existência, e então oferecemos essas imagens como precisas para mitigar todo aquele pavor que sentimos. Parece que em nossa cultura o objetivo é nos fazer sentir mais aterrorizados e menos confiantes.

E, claro, com dois olhos, você pode simplesmente assistir ao mesmo filme de forma diferente.

 

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Olho no olho

O tempo é muitas vezes essencial e geralmente vale a pena esperar um pouco para ver como se pode lidar com a liberdade e a nudez do próprio corpo. As indiferenças flutuam em um oceano de vontades (a ver). Você lidou com você mesmo e as indiferenças dos aparelhamentos aumenta o dilema que se pode enfrentar nessa vida de ‘meudeus’. Café é muitas vezes a solução, o estar junto também. Em volta da mesa, sem saber como agir e o que dizer, dá pequenas mordidas como se alegrias fossem. 

O esgotamento desmorona possibilidades.

Ali perto do portão do jardim, perto de pimenteiras, orquídeas, couves, manjericão e hortelãs, seu medo de que os sentidos todos estejam congelados e infelizes escorre pelos poros. Pés na terra e água nos olhos, o impermeável, blindado, entupido corpo está fechado e quer queimar, queimar agora, respirar fogo. Apenas fogo. Que me livre de todo o mal que eu fiz para mim. Em segredo, canto para ninguém (desafinada que sou) e entrego-me às armas tão abertas, armas que conheço tão bem.

Se conseguisse manter o juízo sobre si e se recusasse a ter os membros engolidos pela brisa que arrepia as costas, talvez conseguisse alguma sobrevida. As pálpebras não estão cerradas, o pescoço está rígido, as mãos, fechadas, o ouvido entupido. Neblina de corpos, neblina nos encontros. Quando conseguir sair da outra extremidade dessa névoa e olhar pra trás, com aquelas silhuetas e esboços que já não fazem mais sentido, poderemos quiçá experimentar um bom bocado de soltura e remelexos. 

A resistência pode ser a chave para lidar agora, não tem certeza. Talvez o silenciar-se um pouco (o que exige um esforço sobre-humano de si). Parece precisar se mudar para um ambiente quase estéril, quente e seco. Prefere que a repetição se anule que provoque outras realidades a serem desvendadas. 

Abre mão de algumas certezas, se agarra a outras. Bebe vinho e, mesmo seca, consegue se encharcar.

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É para o corpo descansar

Quando se está envolvido até o pescoço, na maioria das vezes, ousar com a escrita desejando ampliar-se de um conjunto de hábitos a uma quantidade de elementos de um livro é brutalmente difícil. Tendo uma unidade mais ou menos estável produz um efeito colateral bastante incômodo. Um estado mineral perigoso torna um comportamento que até então era capaz de enfrentar o tempo –  estático – não mais produtivo. Partir para o estado líquido (anotação mental). O liquefeito não é difícil de se relacionar – licença poética de cada um. Teve época que  parar na borda da piscina e  perguntar se algo parecia absurdo. Contou que jogou fora um romance.  Acabou o prazo – disse. Gorou.

Desse inacabado não quero participar. Estar sempre à aproximação do prazo final ou do seu início confronta com sua própria mediocridade, nunca me iludi quanto à possibilidade precisa de se controlar. Quando se chega a certa passagem estar em casa trabalhando sozinha o tempo vira um tipo de envenenamento providenciado durante algumas taças de vinho. O jantar e o almoço inexistem, nem pausas. Só vinho e continuidade. Solilóquio afetivo. Falar em voz alta para encontrar as perguntas certas e certeiras.

Vinte e cinco minutos.

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A verdade, mesmo, recebi em forma de tijolada

Outra maneira fazendo com que você entenda que o contratempo, o contratempo, o tempo todo solicitará de você uma autoridade. Apresentar e contar uma história de forma enxuta, condensada, capaz até de, preguiçosamente, convidar o cérebro a praticar sentimento. Ele topou contar tudo, – qual a verdadeira prisão em que se encontram? Saiu de lá calado, me deixou em casa e nunca mais tocou no assunto. Não é assim que a gente não tenha alternativa, haveria de ter precisado de muito para que um nome fosse apenas reduzido a uma palavra naquele exato momento mesmo. Gozei pela primeira vez em minha vida enquanto ainda nos beijávamos.

 

 

 

 

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