Bored and naked

Contando que não se faça de preguiçosa e que me adule infinitamente e, claro, que fique no seu lugar.

Mas que lugar é esse?

Mas que pergunta! Só podia vir de onde veio mesmo! O lugar de sempre. Precisa explicar mais? E o que é que vocês queriam? E não me venham agora querer coisa diferente afinal, fomos educados assim (por vocês, by the way). Aí você também não está ajudando não é, fica aí com essas roupas, esboçando sorrisos e auto confiança, fazendo o quer… ora vá! Agora aguenta. E por qual motivo essa cara de infeliz? Pegue tuas revistas cheias de dicas de como ser feliz, linda, valente, inteligente, gostosa, doméstica, profissional, paridora, engraçada, gata, já falei gostosa? Não? Gostosa. Principalmente, seja inteligente sem pensar muito, aprenda as dicas de como deixar a pia branquinha e cheirosa, enfim, não sei de tudo que tem nessas revistas, mas pegue-as e vá se divertir. Com cara de bosta, deprê, cheia de pulsões melancólicas ninguém aguenta. E vá caçar serviço. Se não tem, te arrumo. Mas o que é isso? Vestir como quer? E não me respeita, não respeita meu desejo irrefreável de usufruto?

Mas o desejo é seu!

Mas o quê é isso? Claro que vocês são responsáveis pelo meu destempero, meu desejo de posse. Você se porte a contento, como um bibelô. Isso, um bibelô. Ô gente, mas ainda não entendeu? Mas é burrinha mesmo, né, olha: eu te possuo, eu te possuo. Se não te possuo, só de existir e sair por aí fazendo o que te dá na telha fará com que eu te possua, mostra que quer ser possuída, entende? Claro que posso invadir. Mas isso é só lógica! Do que adianta não saber fazer alimentos? Prepará-los com carinho e amor? Não vê o privilégio que isso é? Ahn tá, pode sim, trabalhar fora pois é importante não é, mas se desdobre então, e não vai ficar aí se achando com esse empreguinho. Coisa mais cafona. Quer uma coisa e não a outra? Não leu a revista não? Ninguém lá reclama de nada, todas lindas, gostosas (já falei gostosa?) e felizes. Aprenda. Mas porque você está desejável? Tá querendo o quê com isso, não me respeita! Tá difícil sua vida? Mas até que isso que você fez é legal, é bacana. Mas porque você precisa me deixar de lado para fazer isso? Isso lá te preenche? Eu te preencho. O resto é… é… entreterimento. Não leve isso muito a sério. É só piada, não vê? Nessas revistas não ensinam ter humor não? Ahn, já tá gritando, perdeu a esportiva! São todas histéricas mesmo. Ou é TPM. Começa gritar já sabe, ficar revoltadinha, é TPM. Batata.

Mas isso sou eu.

Mas é assim que tudo funciona, não vê? Ahn, fica aí com sua dificuldade. Mas você sabe que essa sua dificuldade é pouca coisa, não sabe? Adora reclamar de barriga cheia. Me deixou de lado? Sua punição será ficar pra titia.

Qual o problema de ser titia?

Não leu? Só vale alguma coisa se tiver EU do seu lado. Como não é pra me agradar? Eu estou aqui com meus problemas existenciais (já falei pra nunca deixar de ser gostosa?) e você aí papagaiando. Puxa, não tenho paciência. Além do mais, competem entre si. Hahahahahaha! Deve estar lendo besteiras na internet, só pode.

Mas ó, mesmo assim eu fico do seu lado, viu, sou super bom. Mas que seria respeitável da sua parte vestir melhor, bloquear homens no facebook, me acompanhar, me amar, me mimar, me alegrar sempre, isso seria. Esse assunto já cansou. Burrinhas mesmo. Fica pelada logo.

 

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Tombos

Quanto maior a altura, mais longa a queda, dizem, né, não dá pra ter tudo (carai sô!). O que lhe atormenta neste momento? Segura, aperta, dá um nó. Faz um bem danado depois que passa perseguir uma tendência a expor suas fragilidades mesmo na correria… Elas estão exauridas por seus trabalhos hoje. Então, calma. O fator histórico torna complicado a estadia sadia por lá. Procura um abrigo para si e seus delírios, um porto seguro, dos bons, ainda que imaginário (alguns livros pra ler, algumas letras pra escrever). Muito embora possam incomodar bastante, há a vantagem de serem livros que esquecemos (ou o corpo, ou a mente) caso isso seja necessário.  À medida que lemos. Quando terminamos, só nos resta recomeçar um outro, o próximo. Exercício da importância das diferenças caminhando no incerto e idolatrando a dúvida (já foi dito isso aqui), buscando estímulos mais curiosos a fim de aprimorar a capacidade de espera. Os escritos ficam lá do lado dela, bem visível, pra que não caia na tentação de se esquecer deles. Para entender que nem tudo é possível  ‘aprender a romper com ilusões e mentiras’. Pareço um brownie ‘sensual’ com espuma de maracujá para o dia dos namorados, só que com alguma coisa que se quer realizar.

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Um corpo que não se pode controlar

E tão destemido é nosso corpo quando tocado de uma forma afetiva e real,  se aspectando harmoniosamente alma e pele. Focando menos no que os separa um do outro e mais no beijo com mordida. E quanto mais cuidavam mais se apegavam. O que é isto? Onde é que vão se amar? E vocês tratem de encontrar, ou ela mesma tomará uma providência antes do fim da semana. Mas nem todos queriam assistir àquilo, na casa de Emanuela. Viver daquela forma parecia perfeito, e quando chegar, seja razoável. Ainda há muito a aprender.

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Laços reais e vigorosos

Existem novas possibilidades afetivas a se reforçar posteriormente com uma sobrecarga seletiva de memórias. No sistema viciado que culminou no trabalho dessa conquista: quatro não é um grande número, nem de longe a metade, muito menos a maioria numa forte insegurança que os perfeccionistas têm. Irresistível alegria de não saber, assegurar a própria existência a todo custo. E por prudência toma medidas para que não. A porosidade fundada no isolamento e na inatividade, entre o aborrecimento e a miséria como uma forma de paz, darão espaço a novas forças da natureza capazes de se desfazerem rapidamente. Uma habilidade adquirida.

Não sem uma excelência acadêmica estimulante quando em quantidades excessivas, os frios e borboletas no corpo foram sentidos como prova de que vivia algo real. Durante muito tempo percebeu que não se deixaria enredar se apegando a não-brilhantes acontecimentos. Quis e assim o fez com grande carga de emoção.  E novos laços ricos em tramas e criações estéticas explodiram igual cogumelo (o que foi considerado uma raridade – mesmo dez anos depois).

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Toco a sua boca com um pensamento

Como se fosse pela primeira vez, sorria debaixo daquele véu que torna todas as coisas rendadas. Onde que os corpos abandonaram as almofadas, os lençóis, os beijos e se perduraram seres em estado de fraqueza e pouca nitidez. E que de pé, sua mão e sua boca entreabrissem e basta-lhe fechar os olhos para desejar salivas. Desfazer-se de tudo mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nos seus ocos, onde um ar pesado vai e vem, levantando levemente aquele tecido que já se manchara de batom (rubi) de tão próximo que estava do seu rosto. A voz, a voz ficava dentro de nós.

O véu aprisionava, protegia, e ali ousava desejar, pensar, sentir-se e quando tinha ímpetos, tocar-se. Tudo com um perfume antigo e um grande silêncio. O fôlego ainda juvenil, um pouco às cegas, seguindo o andamento da narrativa. Sem isso nunca iria saber o desfecho. A certeza de que aquele amor exacerbado não cabia em si, em todos cantos há aquele desespero também. Mas soou mais úmido que antes, as palavras queriam esgotar o excesso. Um brinde à amizade (im)possível.

O véu e ela própria seguiam pelo corredor, com as mãos postas para receber o alimento sagrado. O ápice de  gozo silencioso que é puro corpo, pura solidez.

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Daido Moriyama

Anel no buraco da parede

Me dá de volta, ouvira ao longe, seguido do choro, palavras, o que a essa altura já havia esquecido tudo. Chegara a fazer uma lista com objetivos a serem cumpridos de bom grado. Infinitas tarefas.  Sem ele podia se deixar ser com maior tranquilidade. Fiquem vendo, displicência ao descer as escadas, andava descalço, falara coisas não muito dignas, ria alto. Ela disse que não conseguia entender o que ele disse. Ele disse que sim, que ela entendia. Ahn, isso entendia. Ela estava discutindo revoltada contra si mesma e estava convencida de que merecia trabalhos forçados num país distante. Era quase impossível remover essa sensação de quando está bebendo água quando fugiam no deserto para o oeste.

 

Novas forças.

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Aceno

De fato, ela tinha razão. Esse seu amigo a pegou pela mão e ali percebeu que talvez nunca sentiria tanto tesão por outro toque. Seguia por aquele corredor escuro e gélido acompanhada (pela primeira vez) e como uma forma de sensibilizar a pele uma ligeira umidade se concentrou na sua nuca, e ali desejou que suas mãos ainda estivessem secas e não-trêmulas. Suspira, enquanto sente seu corpo ficando erógeno da cabeça aos pés, e na tentativa de prolongar o corredor e os arrepios, anda devagar e para como se dissesse: chegou a nossa hora. Ela não queria nada mais que isso. Tudo parecia parado demais, ausente. E essa lisura da pele lhe dizia mais uma vez que estava mortalmente apaixonada. Com um pequeno solavanco o casal prossegue a caminhada, agora ritmada. O corredor já estava acabando e via a distância a ser percorrida (juntos) inexistir. Aperta levemente os dedos agarrando aquela palma de mão sentindo um bem-estar inusitado que apontava para o desfecho. Um minúsculo aceno. Pega o espelho na bolsa, e tem medo de não encontrar a mesma cara de antes.

 

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Deixar paisagens

Ela acreditava que sim, e por isso ia na igreja conversar com ele.

Não adiantava, ela entrava e saía com a mesma sensação de mudez. Via aqueles encontros imaginários como acontecimentos, um espelho de suas próprias canções. Se embriagava cada vez mais, pelo modo como mudara seu pensamento e sua conduta mostravam isso.

Cantava enquanto pensava no que vai arrastar-lhe, movimentar. Nunca soubera, sentira como ao sabor dos ventos, dos cheiros, da preguiça. Ia se entregando ao invés, em direção a um pensamento prévio iniciado anos antes. E atrás dele perseguia. Se via como ser desejante pronta para uma nova peripécia atordoante. Queria mesmo era ser angelical e ter uma linearidade bem próxima de uma normalidade.

Desconhecia o motivo de sempre começar de um jeito e terminar de outro. Desconhecia o segredo da permanência, da perpetuação. (Não sabia o que eram raízes criadas, só aquelas com as quais já nascera, as novas ora saíam dos seus braços, ora das suas unhas, ora do seu sexo).

Buscava a possibilidade de conhecer o seu próprio movimento, e a rigidez a mareava. Afundava os dedos naquele areal na beira daquele rio vendo aquela paisagem urbana desordenada sentindo o cheiro nauseabundo do ar impuro e imperfeito. Seguiria para outro mundo, não que não doesse profundamente em todas as suas articulações, como um ritual (santo santo santo, senhor deus do universo).

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Um carinho sem sorrir

No período que vai de muito antes até hoje, seria pura precipitação se você pudesse terminar ouvindo  palavras de beleza. Zela por sua escassez e as coisas duras precisam do (bom) para  resgatarmos nosso brilho de alma. Transparência e suscetibilidade são maiores do que ela jamais conseguirá se distanciar das demais. São ensinamentos de que tudo é encantador e que as originais infecções não passam de agito memorial. Segue tocando sua vida ou a perder noites ou a perder dias. Não agir é a melhor ação. O valor da discrição e da imobilidade maior insinua uma ainda incerta brutalidade, e os anseios  que querem ser amplamente realizados neste vasto espectro jamais, nunquinha, serão importantes. Esse emaranhado de conversas em um mundo inteiro imensamente variado e complexo do ângulo tenso em que participa diariamente, a fez particularmente intensa e de suas obrigações fora aos poucos se desenganando. A ideia, partida do espetáculo Particularmente Vulnerável, que não é boba nem nada, das nossas mentes que voam longe…  que me é caro com todos os ingredientes (acordando cedo), mas não (cedo) o bastante. Volto para o bolero (só  faz lembrar de tudo o que não deveria ser lembrado).

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Porém não me desespero

É a única influência legítima a que se submeteria de bom grado. Em um período que vai de muito além do que seria uma pura precipitação da sua existência particular e individual. Você poderia terminar ouvindo coisas duras a seu respeito e o bom para dar ajuste às emoções é aprender a respeitar o “tempo certo”. Grande transparência e suscetibilidade são maiores que as infecções oculares. Agitar-se ou perder-se nas noites e agir como seria se o conhecesse somente (anotação mental) em fantasia!   A melhor ação com o valor da discrição. A imobilidade afirma que não tinha conhecimentos e está apenas em sua contemplação silenciosa, muda. Só o foco e o desempenho lhe interessavam. Depois a coisa meio que se inverteu. 

Continua a ser própria a necessidade de liberdade e aí está o sentido íntimo independente muito longe de emancipar ao mundo prático, ao mundo dos fatos reais.

 

 

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Hoje eu me curvo, mas sou sujeita a chuvas

Qual é o essencial que é invisível aos olhos? Qual é o seu ‘se sentir normal’ perto da bizarrice alheia? A exposição do vazio é que descobre as insignificâncias do mundo e as nossas próprias. Pois já disse uma vez, eu acho muito elegante alguém bater nos próprios fundilhos antes de sentar no sofá de outras pessoas. Ter sua família numerosa é ter o sofá sempre quente. Ele nem sequer sabia que isso se descobre nas unhas, não é?

É um cheiro ruim que arde o seu ‘se sentir normal’. Me perguntou se estou gostando. De certa forma pode-se dizer que sim. Estarei em estado de texto hoje, o que me parece ser uma postura incomparavelmente mais inteligente do que às de emburro.

Chove, ouve algumas coisas em português e ri.

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Joseph Szabo, Girls smoking, Hot Dog Beach, 1977

 

Chão de estrelas

O coreógrafo foi o sobrevivente da equipe. Nada mais essencial. Coisas insólitas estão acontecendo com ela e com as pessoas que mais ama por causa disso. Precisa ser posta para fora (é de forma mais sutil que se defende) o especialista comentou, afirmou. Devo parar? Já lera uma vez sobre aquilo, o gosto da coisa que engole. Só podia ser. Que a morte sirva de exemplo, alerta. Um tubo fechado numa das extremidades. O soluço escapando, o grito na praça. Mas para superar era preciso aprender a levitar, estar de pé e abrir os braços, fazendo um movimento que não faz ideia do que é. Mas de igual intensidade, braços e pernas. O pescoço desceria mais livre. Imagina  a água escorrendo pela nuca como ato supremo e solitário de afeto.

Vamos aos saltos.

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Gueorgui Pinkhassov, Moscow, 1993

 

Precisamos dormir

No sentido de lhe conferir lucidezum ornamento para uma vida confortável, para trabalhar e utilizar o tempo (fonte dos bons momentos), decide. Disse que nunca lhe deixaria: uma mistura de surpresa e desaprovação…  Não parece ser daquelas afirmações que levam a um futuro brilhante. Já que não podem ter uma vida tranquila aqui, conversas ficaram mais profundas e que não se torne a felicidade um jargão inútil. Um período levemente crítico que colidiu com outro e o sucesso está fadado a apenas algumas palavras, algumas músicas. Um sentimento de empatia maior em relação aos outros pode ser propício e salvador, sem uma ação que gere preconceitos. Alguns hábitos saudáveis hão de ser cultivados. O modo como vivem os faz foras-da-lei.

Há algo muito pessoal sobre demonstrar afeto.

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Adam Amengual, Homies (LA Gang members)

 

Requintados torturadores

Ainda em ânimo para mudar a sua vida que parece fluir descontroladamente. Encontrar sentido sobre o que se passa mas busca o prazer carnal (em se amordaçar) onde mais frequentemente lhe encanta. Demonstraria, se lhe fosse dada a palavra, o quanto há de mortal em vários dos seus gestos e pensamentos de deusa. Sabe  que podem ser perniciosas as perspectivas exageradas e dramáticas nas famílias e nas vizinhanças, que  agem com suprema covardia diante da (falta alheia) (falta?). Gostava de usar um pijama estampado idêntico ao descrito por ele. O cuidado de se abrir à possibilidade de muita frustração passa por essa situação de desconforto e a estabilidade almejada se esvai.  Exames iniciais mostram que o provável é que esses números quase circenses sejam apenas a ponta do iceberg. (E pensei que voltaria) iluminando e clarificando as belezas. Nada de pensar, nada de imaginar são reações paradoxais às violências geradas de pequenos gestos (contra elas)  transmitidos ( de alto nível de toxidade). O fato é que reescrito ou redistribuído não mudará muito o teor, e a pena viver o lado de alguém sem número,  assumindo o outro em silêncio é arrebatador. Não é preciso ficar infeliz para semprepor outro lado, o aceite legítimo da sociedade dos hábitos contraditórios é muito normal. Nesses motivos será possível contar com o outro? (Convidada a prestar esclarecimentos).

 

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Não precisa se agarrar a nada

Sem um único instrumento científico, muito embora demonstrasse um pouco de desleixo, revisou mentalmente seus dias e suas sensações. E a falta de ar  tão fenomenal – permitia que as descobertas  abarcassem essa pouca desordem (pregos e madeira se transformam numa mesa – obra composta). O produto a que se dedica com afinco não teria existência independente de suas partes. De forma isolada são o maior dos enganos: o que resulta da junção de duas ou mais coisas  (in)depende da existência de alguma outra coisa ao estarem reunidas. Sua natureza se alterou e, juntas transformaram-se em uma outra coisa. O fazer manual ainda tinha importância, o fazer carinho, lamber.  Encontrou um meio de contornar o sofrimento e deu-se conta de que não existia um todo-poderoso capaz de reverter o caminho que leva onde não há esperança cega tampouco há decepção. Mas que pensamento tortuoso e cruel. Já deveria ter desistido de lutar contra a vida tão intensamente.  Não pensa em termos daquilo que tem e do que lhe falta, mas no que está ali. Um pouco longe, e podendo estar perto. Ficaria mais do que um pouco decepcionada, pois, em sua maior parte, suas descobertas permanecem sem serventia.  Perambula pela casa, tenta buscar no alto verão a necessidade do traço, dos traços. É uma nova vida, bem aqui, pronta pra receber o espírito de uma outra.

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Carcomido homem

Estava num ponto de controle mental em que a qualidade deste momento é a  percepção da importância de que se conseguiria quase levar uma vida normal.

Desde sempre a conhecera. Percebia e elogiava sua retomada, seu auto controle. Da última vez que se encontraram sozinhos, via nos seus olhos cheio de pretensões uma inquietude, quase imperceptível.

Suas necessidades emocionais para estes dias assumiram até com ele, e sua face mais próxima do que era antes do estado de choque. Ainda não conseguia sorrir, uma ampliação de sua emotividade, tornando-lhe uma pessoa muito reativa e até sensível demais.

Ainda tinha palpitações e aqueles hábitos como puxar as pontas das cutículas causando aquelas pequenas inflamações nas unhas, mas sem dúvida havia na fina flor do pensamento uma visível recuperação de uma certa normalidade. Posso beijar seu pescoço? Já encostando, mas deixa subentendido, naquele lábio gosmento, delírios paranoicos com a barba. Sempre o mesmo, mastigado, carcomido homem. Passa um arrepio por todo o corpo, o gosto do vômito na boca.

Já quase se acostumara, e retoma a consciência da decadência deselegante e o apodrecimento. Um lapso no tempo, perdeu-se nessas memórias recuperadas. Arma branca, faca. Faca…Você se lembra de como é ser criança? Porque tudo está partido, repartido, fragmentado, inconsistente? Instante quase sempre inglório, o da lembrança.

O certo é que passava a voltar desses embates quase sempre da mesma forma. Murcha e palpitante. E sempre com alguma informação a mais.

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O quarto que não conheci

Que as horas correm tanto mais rápidas quanto mais agradáveis são, e é bastante provável que se queira dar um pouco de beleza ao ambiente, na sua casa (ou quarto), que são um só.  Os detalhes fazem a presença e um fenômeno às avessas se faz sentir tanto mais demorado quanto mais ausente são as lembranças. Porque o gozo não é positivo, mas sim a dor, que a beleza traz. Uma dificuldade extrema em reconhecer isso,  e que cessem os movimentos a fim de fazer escolhas mais racionais.

As escolhas a partir de caminhos aparentemente mais fáceis,  por impulsos emocionais levianos, gritam:  aceite! A dúvida!  Necessidade de algo que liberte, que permita que se pense melhor sobre tudo. Detalhes, pele, movimento, janelas em quadradinhos, riscos no braço, cores, azuis e vermelhos. Quase se escuta a respiração. E quase se perde o ar com o que ouve. ‘Não se deixe guiar por impulsos emocionais e dê tempo ao tempo’.

Este é o momento certo para harmonizar seu próprio quarto-corpo, e a coisa toda começa com você se tornando um lugar mais bonito, pacífico, tranqüilo. Simplesmente mudando a disposição dos móveis, abrindo a janela. Rompendo portas. Os prazeres das pequenas coisas. Ficar em casa assistindo a um bom filme, lendo um bom livro e o desejo de cultivar um bom relacionamento e uma boa história com alguém.

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Fogo fátuo

Apoderou-se aos poucos do espaço. O que antes dormia (sempre um desejo de tentar dormir horas seguidas) encolhida, forçando a abrir as pernas e os braços. Fazia sempre como um exercício de yoga, tensionar e relaxar, se permitir e, mesmo que dentro de um aprendizado, expandir.

Sempre tão contida, tão mínima, voz baixa, gestos curtos, roupas escuras, sempre à procura do silêncio.

Vicente lhe dizia sempre da sua beleza, mas nunca sentira isso de fato. Algo contido, doído dentro. Aquele limiar do inativo para o prestes a explodir, o que nunca aconteceu, sempre na lentidão. A brasa, o suspiro. Desejara a solidão para que pegasse fogo. Um dos exercícios resumia a se olhar nua no espelho – como era difícil olhar as pernas, braços, ventre, seios (um bem maior que o outro).

Um dia encarou-se olhos nos olhos. Frio, esse frio que não passa.

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O ar e a batida

Sorri, enquanto o ônibus sacoleja lembrando daquela noite. Outra meta foi estabelecida e percebeu que foi capaz. Desceu no ponto perto da sua casa, sentindo ânsia e palpitações e raiva, por um lado, e uma firmeza que só um objetivo de sobrevivência estabelecido proporcionava. Subiu as escadas e tirou as sandálias cheias de poeira vermelha, e limpou os pés (pareciam de crianças quando brincam de havaianas na terra) no tanque.

Aquela esquina se tornou um ponto a ser ultrapassado, e quase, quase conseguira. Muitas vezes o quase a enraivecia, hoje ela percebia no quase uma vantagem. Porque sabia que não desistiria. Quando elas próprias não foram explicadas de forma satisfatória, os ataques de pânico não são uma boa representação de si.

Relativiza a culpa da escravidão, ou quase isso, a que se submeteu, por inconsciência, por escolha, por falta de alternativas. Não é isso que deseja pra si, não é aí que quer residir.

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Deslocada do sentido (porque ainda sou machista)

No seio de uma vertente não tão alternativa falara muito, mas pouco claramente, porque era impedida (por si mesma) pelo medo da fúria, da resposta, do silêncio. Porque achara que falar a verdade incomodaria demais. Falou (pouco) e voltou atrás mil vezes, sempre na opção delete, suspirar, dois passos atrás. Pra não ferir o ego alheio, pra não ser desamada (porque falar traria desamor?). Daí vai ficando algumas amizades e amores na névoa, em que tudo acontece mas ninguém deixa claro o que acontece. Passara a usar os sobrenomes, ao invés de dar os nomes, era uma outra muito pouco conhecida forma de se proteger (de quê, afinal?) que merecem todo o respeito (sic). Toda sorte de inúmeros absurdos em sua biografia: ser sempre simpática, útil, amiga, amélia, amante, prestativa e bem-humorada para “compensar”.

A sua face amorosa está sujeita a abusos muito mais constantemente do que vai dizer sua consciência. A passividade que acontecera (que fere) desejara que isso não existisse mais, mas as consequências por tentar ter sido franca quanto (aos rótulos) são insuportáveis. Todos direcionados a si mesma. As mulheres estariam sempre na linha do ‘tinha que’. Entendera que qualquer mulher que fuja do padrão do mito da beleza e do comportamento ideal o faz de maneira caricatural e estereotipada aos olhos feridos. Sem pensar a respeito disso iria ser engolida. Uma equação difícil de fechar. O voltar atrás não é sempre a melhor solução. Nem a solidão tão pouco. Essa sensação de burrice não passa.

É cansativo, mas se não for assim, fica mais difícil ainda.

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Silêncio branco

O silêncio é sempre a melhor opção. Quando lera essa frase (talvez fosse para ela, quem sabe) subiu um frio na coluna, um ardor no nariz, os olhos encheram-se de água. Mil imagens que há algum tempo vinha tentando esquecer, superar ou pelo menos lembrar sem aquele incômodo, vieram à tona. E, junto com as lágrimas, o nó na garganta doía. Ombros tensionados, maxilar preso, articulações rígidas, sim, eram os mesmos sinais físicos.

O ar faltou. Respira, respira. Lera isso também (just breath) e já se dedicava às respirações diafragmáticas, recuperando o fôlego. Silêncio, sim é lindo o conceito, mas o silêncio quando praticado como resposta, como ‘evitar batalhas’ era um juízo de valor – claramente contra quem se posicionava no oposto dele. Ahn, e como é um conceito lindo, a razão está do  lado do silêncio. Vencida pela beleza. Já não lembra quantas vezes suas frases, suas opiniões, suas desculpas, sua ira, seu posicionamento, seu amor foi respondido com silêncio. Como doía. Como era implacável essa resposta e quanto a isso nada poderia fazer.  O silêncio também era surdo, também não ouvia. Como era desleal. Ninguém nunca ganha do silêncio. Quer gritar, quer se expor, quer alcançar o outro. Mas a garganta dói. Sempre a melhor opção! Como faria então? Não participa dos Sempres, Tudos, Nadas, Nuncas, onde ficaria então?

É pessoal e intransferível. Não quer cometer o erro do julgamento (fez e se arrependeu). É só mais um silêncio dentre tantos. Recolhe-se com muita dificuldade, porque a mudez imposta pelo silêncio é uma surra no corpo. Um dia gritará. Ou algum dia alguém a responderá com sons, letras, palavras, gestos. Qualquer resposta é melhor que o silêncio. Mudez imposta. Precisa conseguir. Mais uma vez. Mas a verdade é que o mais provável é que um dia perderá a vontade de falar  (desacostumada pelo hábito), a voz e o sentido não mais existirão.

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Branco sobre branco – Malevich

Disposição afetiva

Pela primeira vez, a maior intensidade, este momento. Definir isso é importante e conversas incomodariam! Ouvir coisas seria melhor se se tornassem mais proveitosas, afinal. O entendimento muitas vezes, provavelmente, é ter idéias mais harmoniosas e outras vezes… coisas que nem são, senão em outros momentos, prioritárias.  Já é considerado o maior movimento aquele que você se volta tanto para si que consegue caminhar sozinho. Pode ser desfavorável, dirão. E, provavelmente, estarão certos. O curtir a si mesmo (mesmo que em fossa) forma uma harmoniosa jogada e alguns elogios a respeito de suas melhores performances virão sinceras.  Diz respeito a que você e sua sensibilidade estão voltados.

‘precisa melhorar’, ‘talvez se você tomar consciência das coisas que estarão salientando suas virtudes’, ‘tudo está na sua mente’, ‘saia para andar de skate se aí não fosse tão ruim’ ‘e falando mais ao sair de uma condição de válvula de escape’, ‘sim, funciona’,  ‘estarão em busca de seus próprios desatinos’, ‘delas se lembrando, das coisas que se reencontrarão em poucos dias’, ‘quem sabe perceberá que as outras pessoas…’, ‘falta aparar’, ‘que haja uma conciliação se tais entendimentos envolverem questões difíceis’, ‘pedem a companhia da fala?’, ‘as coisas que sente, naturalmente fazem sentido’,  ‘…’

 

Pequenos passeios agradáveis, com capacidade de coagular carências.

 

 

 

 

Pedaço

Direto pro chuveiro, água, água.

Pelo direito de viver a própria dor sabendo que um dia irá passar. Plenamente justificada, plenamente. Hoje isso de entender já não é o bastante. Entendimento não basta, não lhe trouxe autonomia e nem o sentir-se à vontade.

O estômago sente, passou o dia sem comer. Pensa nos detalhes e gosta. Conseguiu ultrapassar os escombros, conseguiu levar uma bolsa pequena. Quase chegou. Nunca chegara tão perto. Um calafrio percorre o corpo, uma mistura de emoção da expectativa (sente que em breve conseguirá ultrapassar os limites) e de pavor (porque sente que em breve irá ultrapassar os limites). Diversas vezes o ser da experiência alcança um sentido humano. Mas o que busca é sobre humano. Busca a flexibilidade do erro, do choro, da raiva, da renúncia. Ai, que pieguice insuportável. Come rapidamente, serve-se de vinho, e desmancha na frente da TV.

Olha em volta e faz anotações mentais (mandar arrumar a cadeira que está bamba, desinfetar a pia, guardar os talheres, separar os calçados). Nada tem a urgência maior que o descanso do enfrentamento perdido. Me deixei tombar no vazio, perdida de mim e do mundo.

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Numa noite

Depois de muitas horas a pele começa a cair. Pensa em nadar. Ele quase não falou comigo na hora. Amuei, faltava um pedaço do falou por si só. O homem  esteve certo e sabe que ele sempre esteve  em sua rota. E que também as ondas estavam agitadas. Não era harmonioso, plano, igual e era a prova mais substancial de que a negatividade teve ou tem o papel preponderante. Estava assustadoramente escuro e pensamentos pareciam querer sugá-la e suas energias se esvaíam.

É certo de que  teve interesse em insuflá-los, em certos momentos, e se sentiu perdida e totalmente sozinha no meio de como seus personagens reagiriam à tempestade de areia. Uma suposta e clara divisão imaginária entre o bem e o mal, atormenta, aquele tipo de desequilíbrio que nos tira da paz de espírito. Suspirava: livre-se de seu esforço – o que poderia representar era o fim do prazer da invisibilidade?

Sobre a paciência.

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É para o corpo descansar

Quando se está envolvido até o pescoço, na maioria das vezes, ousar com a escrita desejando ampliar-se de um conjunto de hábitos a uma quantidade de elementos de um livro é brutalmente difícil. Tendo uma unidade mais ou menos estável produz um efeito colateral bastante incômodo. Um estado mineral perigoso torna um comportamento que até então era capaz de enfrentar o tempo –  estático – não mais produtivo. Partir para o estado líquido (anotação mental). O liquefeito não é difícil de se relacionar – licença poética de cada um. Teve época que  parar na borda da piscina e  perguntar se algo parecia absurdo. Contou que jogou fora um romance.  Acabou o prazo – disse. Gorou.

Desse inacabado não quero participar. Estar sempre à aproximação do prazo final ou do seu início confronta com sua própria mediocridade, nunca me iludi quanto à possibilidade precisa de se controlar. Quando se chega a certa passagem estar em casa trabalhando sozinha o tempo vira um tipo de envenenamento providenciado durante algumas taças de vinho. O jantar e o almoço inexistem, nem pausas. Só vinho e continuidade. Solilóquio afetivo. Falar em voz alta para encontrar as perguntas certas e certeiras.

Vinte e cinco minutos.

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