Que tom tem seu grito?

O aperto de viver em um mundo muito pessoal e individual era real, mas desejava que se garantisse  uma certa blindagem dentro possível. Só aquela leitura trouxe um pouco de mediação entre os mundos. O problema com leitura é que parece que você não estava fazendo nada. Quando você lendo se põe a escrever, volta a ser respeitoso ao próprio corpo, produtivo. Porque tem o gesto, a força, uma intensificação da força de vontade.  Nós novamente sozinhos. Alguém que pesca desejo, lê nas entrelinhas. Ele percebe o que você não percebeu que você fez. Uma alegria muito delicada a esse respeito, grita.

Consulta, guardado debaixo do travesseiro, o manual de como começar (bem). Da estrutura da limpeza se espera um pouco mais de consciência, estrutura pela qual você não está preso à família, nem a ninguém, e está disponível para ir aonde for preciso… Os tons e as nuances que pedem a espera de um pouco mais de conhecimento. A vida passou e se aprende coisas, mas mudanças? Acho que somos sempre os mesmos. Infelizmente.

As pessoas que estão mais em contato com suas próprias emoções e seus sentimentos, se relacionam de uma forma muito mais próxima com a dor de outra pessoa  – essas são as pessoas mais fortes que eu conheço.

Bem, é por isso que você precisa ser mais inteligente e confiar, ela disse. Já tenho 75 anos e, como todo mundo, não sou obrigada a fazer nada.

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Eu não tenho alma para vender

Ela sugere que o que você mais quer neste momento é encontrar a força e a força de vontade para vê-la e assim, através disso, conseguir o que deseja. É importante que venha de um lugar de amor e tolerância, de não agressão. Coloque seus medos para descansar! Me ajude, eu não tenho alma para vender.

‘Eu quero sentir você por dentro / ajuda-me no que me faz perfeita / e em toda a minha existência estive falha…’   e é essencial para entender como seu pensamento funciona, a gente se desdobra, se co-apresenta melhor. E há de se ter paciência com os desvios do pensamento ético, há de se ter paciência com os copos que estão pela metade, ou de ar ou de cachaça. É o devir, vamos criar outras subjetividades, gritam as moças.

Que o devir funciona sempre a dois, para dar conta de algumas possibilidades. Aquilo que impede os corpos de se moverem deveria ser relativizado, a força dos habitantes dessa cidade será maior. Um dia nos conduziremos pelas intensidades e faremos novas alianças.

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Gail Albert Halaban, From series Out My Window, 2007

Não morrer demais

Alegrias conceituais bem sucedidas são difíceis de retirar do pensamento, mas o novo bate bem as metas das probabilidades. O escopo é ambicioso: a relação entre substâncias e poesias. As fontes são originais: transmissões de rádio, mensagens codificadas, bordados, bolas de lã e guardados das gavetas. E, no entanto, apesar do que se poderia imaginar, o som permanece puro e escuro, mal-humorado e eletrônico. Pode-se creditar isso ao grande volume dos contrastes dos amores disponíveis…  Enquanto debruçado sobre as pedras, se concentra em pequenas máquinas e engrenagens. Encontrar relação dos ritmos entre o diálogo do rádio antigo e o som da água.

A imagem dominante é a da tempestade se aproximando (que atingiu nos atingiu durante a noite, imprevisível), seguida pela perda sem precedentes da vida e da terra, e, finalmente, o rescaldo.

Mas outras histórias estão em jogo aqui, também no que se refere a uma barreira construída para a tal tempestade; um preciosista, que observando que a área está abaixo do nível do mar, abaixo do nível dos olhos, brinca que podem estar cavando suas próprias sepulturas, que faz com que o tempo não vivido permaneça… não vivido…

Então, você está com medo de quê? A resposta é de ser a mesma de antes, a mesma no canto, quieta, aquela que não diz tudo sobre si… enquanto a chuva cai. A maioria sabe que se inundando apenas de uma história não se encerrará com o período de chuvas. Mas com ou sem tempestade, a água estará sempre a subir. Na tentativa de fundir ameaça e reconciliação, buscando o mesmo tipo de harmonia que sente em ouvir sua música preferida ao gosto de um café antes das oito horas da manhã, quer se aliar com a experiência.

Quer ser devorada pelo mundo.

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Eva Besnyö, Self-portrait, Berlin, 1931

 

 

Esbarrei no espelho e pedi desculpas

Vez que você estava livre de trauma saiu por aí alegre e tagarela. Indo para lá depois da esquina deleitar-se com prazer e felicidade e isso poderia ser tão estranho como uma conspiração.

Há maneira de ser o que se quer ser, deu pra ouvir. Quis o fim da tarefa no naipe da lisura do seu corpo – a sua beleza era uma espécie de gula divina, eu deveria dizer. Escrevera aquelas palavras com fluidos corporais em seu caderno, como em um novo transe, sim, foi uma entrada muito aguda, muito mesmo. E que seja para o exorcismo de seus próprios demônios! Como mergulhar num buraco negro a tensão entre o mundano e o sobrenatural quando a mente não consegue pensar abstratamente?

Pois que a realidade sempre se alivia com o prazer, já que há o comprometimento de cada um com seu mal-estar generalizado. Ela só pensa em se pintar, cabelos, unhas, lábios… Mas essa era toda a questão: como se passar em pinceladas; e até você conseguir isso, não importa que o assunto seja ostensivo, era pra se ter harmonia entre as partes.

Do início de uma letra, no meio de uns abraços, no final de um dia no campo. A confusão agradável que sabemos que existe cá em nós.

Daniel Egneus
Daniel Egneus

Cantarolando

Na parte da manhã quando eu acordar e o sol estiver atravessando a janela, você encherá meus pulmões com doçura. Preencherá minha cabeça com você. Devo escrever uma carta? Penso pedaços de uma música que eu não consigo esquecer e deixar sair. Eu posso estar perto de você? Posso levá-lo para uma manhã de sol e café imaginando campos pintados de ouro, lá onde as árvores estão cheias de memórias dos sentimentos, nunca te disse?

Quando a noite puxa o sol para baixo e o dia é quase completamente seu e todo mundo está dormindo, mas os mundos são você. Posso ser perto de você? (Ah) oh  [assobios]. Já faz um tempo que, então, eu realmente gostaria de conhecê-lo, mais, você sabe. Eles cantam uma canção assim, gostaria de ir até o horizonte. Apenas para você todas as lisuras estão girando em mim e tudo, tudo aquece. Lá pela linha de tristeza, sim todas as menos definidas listras dos gatos mais frios. Mas então estar-se a refinar, oh sim. E eu quero ver coração coração coração coração e alma.

Coração e alma porra, meu coração e alma. Por instante.

Sabrina Arnault
Sabrina Arnault

Quando isso acontecer

Apressando-se / atrasando-se são formas igualmente fortes de tentar defender-se do presente. Finalmente outro mês vem chegando – porque o medo das palavras vazias apavora uma imagem “zen”, razoável e mentalmente equilibrada que só o café trás. E se a vida se tornasse subitamente algo bacana no final das contas? – era assim a Matilde. Sempre otimista. Ela é mais poderosa do que a força agressiva, talvez em uma forma mais sofisticada. A gente duvida de que dizendo sim as coisas se resolvam. É essencial tomar atitudes práticas, ainda que elas se revelem pouco afetivas ou até mesmo um tanto quanto impiedosas. Nós ali, a tomar antídotos com biscoitos de coco. Chuva inundando casas, molhando colchões.

Ela é um único personagem que se esbalda a jogar tanta luz no drama que a gente tem como máxima da vida. (Confundir as coisas de substância com o seu simulacro). O papo é solto, o frio acontece na espinha, a cada baque. Penso em escapar dali, ir embora, descer o elevador, devagar, lance por lance, para pensar. Vou de escadas, decido, muito antes da minha saída. São mais felizes quando as coisas boas são esperadas para acontecer e não quando estão acontecendo. O ritmo é um dos mais poderosos dos prazeres e espera que continue assim. Quando isso acontecer, ele crescerá mais doce. Ficamos ali, a nos olhar, com as cartas na nossa frente, tentando materializar o tão sonhado ritmo doce. Como a busca ansiosa por prazeres nos faz sair correndo na frente para encontrá-los, tanto, mas tanto… que não podemos abrandar nossa respiração o suficiente para apreciá-los quando eles vêm.

Estamos, portanto, uma civilização que sofre de decepção crônica e recorrente – um enxame formidável de crianças mimadas quebrando seus brinquedos, perdendo seus amores, ficando de mau. Dói. Há de fato uma coisa como “tempo” – a arte de dominar o ritmo – mas o tempo está escorrendo … Sinto o eterno presente em meus braços que mal consigo movê-los. Mas Matilde reverbera – pois é o segredo do bom tempo, e eu só vejo degraus. Arte, só por amor.

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Sonia Handelman Meyer, Bus Stop

 

Experiências de fé

É como tocar a lua com os dedos dos pés. Se emocionava quando lembravam dela. Era como se fosse um pouco menos invisível, tão acostumada estava a ser ignorada. Não sabia como era se sentir querida.

Quer dizer, até sabia, mas muito pouco.

Dita. Falada. Pronunciada. Acostumara-se a sobrar, a não pertencer.

Agora queria uma família, uma família construída. Uma família sua. Daquele seu jeito. Pensou em aprender a falar sozinha, mais vezes, quantas conseguisse, pra aprender a ter voz. Aí não importariam os outros, as outras vozes. Ele disse: são apenas rótulos. Ela pensou, rótulos pesam demais, não são ‘apenas’.

Ela desejava que cuidassem dela porque sempre fora boa. Boa e quieta. Sempre tivera juízo. Era uma plenitude acreditar que alguém lhe recompensaria por ser tão certa. Ela perdera essa crença fazia tempo. Estava inevitavelmente sozinha desde então. Mas agora, agora, conseguia construir muitas pessoas dentro de si. E conseguira abrir seu coração às pessoas que pareciam que tinham algodão por dentro. Profundas e leves. A porta de cima ficaria sempre destrancada. Escancarada, melhor.

Estava um bocadinho séria, agora. E cheia de amores.

 

 

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Foto por Flávio de Aquino Carvalho

Rotina

Tudo parecia diferente, afinal. Coração pequeno, cabeça miúda pra pensar, braço dolorido. Estava ali pra fazer também perguntas tolas.

(Há tolice no amor?).

A gente não tem juízo para coisas de antigamente. Às vezes mais enfezada nos modos, enfezada nos sustos todos da vida. Que fosse sonho para se esperar e para sentir, uma coisa tão pouca de se querer. Tão pouco de se esperar. Queria ter grandes sortes. Havia de enfurecer. Pensara que havia algo dentro de si que a esperava, para quando sonhasse. E ela respondeu: que sejam por coisa nenhuma até que sentires coisa nenhuma. Que sossegasse. Mas o sossego durava coisa nenhuma de tempo.

Perguntaram-lhe: tens pressa? Ela disse sim, que era um jeito de dizer que tinha medo.

A secura de tudo. De todas as águas.

 

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Jacques Henri Lartigue

Ele adora torradas e farofa

Depois não falamos mais nada, não pensamos em mais nada, nada mais a gente quis.

Quando encontrar, guardo no bolso as histórias. Tremi, e a tremura é tão deliciosa como um encontro justo e firme de dois em um pensamento.  Internacional e acidental (mas ele é do mundo, não é daqui). Uma vontade derradeira (de nutrir laços humanos íntimos – o afeto, o desejo apaixonado e amizade) ameaça uma certa descrença (coisas de antes). Uma certeza absurda (custava a acreditar).

A relação mais rara, mais profunda. 

Nós temos muito mais bondade do que é dito. Eu gosto dele e ele gosta de mim. Nós usamos os nossos olhos mas o olhar está olhando, levianamente, aquele desenho no braço, aqueles escritos na pele. A partir do amor apaixonado eles fazem a doçura da vida. Os nossos poderes intelectuais e os princípios ativos aumentam com o nosso carinho. Dar uma pausa rápida em tudo o que era.

Eu sou tudo dormente, eu juro. Ele foi-se embora. Vi-o por um minuto, de relance.

No espaço pequeno, de manhã, quis café, quis cappuccino, quis torradas, quis banho. Quis sonho. Quis. 

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Helen Levitt

 

Ou mais precisamente,

De um significado infinito (o segredo) lento e preciso, pousou como uma névoa suave descendo sobre os últimos dias (não desanime). Enrouqueceu, a respiração suspensa devido à natureza da semi-improvisação, como um fantasma que tem medo de ter morrido. Deixe suas cores gastas, seu peso. Impressionam na disputa levantando-se no ar, num pulo ágil e bonito, como se tivessem vida própria e exigissem serem ditas – as palavras. Mostrou algumas curvas e espirais na bolsa e saiu a rodopiar. E seus sonhos? (Os meus sonhos estão em silêncio). Você  nunca pensa neles? Articulação. Sempre esperei (esperarei) um sinal seu. Antes do café, antes de cuidar dos dentes, antes de trocar a roupa. Antes. Nem precisa acordar, acordar, só abrir os olhos já espero um sinal seu. Deveria estar dormindo à essa hora. Então começa a escrever, palavra por palavra. Diziam que de longe era melhor. Com os dedos na boca percebe que a raiva é uma forma de tristeza.

 

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Amor em líquidos

Com cheiro de terra úmida e fértil, não conseguia sossegar. Estou adiando o silêncio. Tentou a palavra, mas ela cortou demais, doeu demais. Ela e seus múltiplos orgasmos eram sua usina de força em um arranjo maravilhoso desse esboço de ecossistema dinâmico do corpo.  Uma invejosa habilidade de produzir espasmos partindo do ventre em direção ao peito, pulmão e coração. Era o que se podia resultar desse impulso.

Sabia que deveria olhar os poetas para que não pensasse que esse tipo de auto-cortesia era injusta. Deitada no mato sentia o corpo espetado por pequenos gravetos que conseguiam atravessar o lençol que usou como leito. Queria o amor maior, natural. Um dia quis ser isenta do clímax e se permitir o mistério. Roçava levemente as coxas nuas no tecido, prolongando a viagem de volta, ainda que não tenha estado em lugar algum. Sobre memória, perda e culpa – já intuía o que viria a seguir. (Olhe nos meus olhos e fale sacanagens).

Um sentido, um nome, um corpo, carne. As coisas ausentes não mais eram.

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Emmet Gowin, Edith, Danville, Virginia, 1972

 

 

Carícia

Um dia ela me perguntou se esperava gêmeos. Oh, deus me livre. Estou faminta. Faminta de tudo, poderemos tentar novamente amanhã.

Persiste na esperança de encontrar um amor verdadeiro – empolgada com isso, não achava que… é a vida. Supere.

Sempre achei que não tinha habilidades práticas pra vida, e veja só. Não aqui, não no meu quarto. Sim, sim, já foi resolvido. Você promete que esperará por mim? Ela veio até a mim, toda vestida de ervas e flores e só disse: em breve. Não, não posso voltar pra casa. Você fez sopa? Sopa parece uma boa. Todo respeito às poderosas. Silêncio para fazer o para-casa, amarrar os sapatos e queimar os bolinhos. Elas  não são como nós. São menos razoáveis. Daqui pra frente quero que você ande cabisbaixa. É o mínimo que pode fazer. Não faça afirmações presunçosas. Dois abraços são permitidos, na entrada e na saída.

Porque impróprio pode ser um sorriso.

 

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Edouard Boubat, tutu, 1999

 

A risada cria intimidade

Aninha era uma mulher de 34 anos alta e bonita, de cabelos castanhos e lisos quase sempre presos em um rabo de cavalo, unhas compridas e bem cuidadas. Seu ar melancólico não combinava com aguçado olfato, uma de suas especialidades. Mas a grande qualidade de A., que nem se nota à primeira vista,  era sua capacidade de compor sínteses, justamente daquilo que não havíamos parado pra pensar. A raiz irritante desse seu comportamento  é justamente o preciso de suas críticas. E era debochada, ria das  reações tanto quanto de si mesma. Hoje percebo que tinha me esquecido o que era isso: ser precisa e risonha.

A névoa começa a baixar e as subidas e os muitos tropeços ficam mais divertidos no terreno das risadas. Poderia ser uma boa ideia a experiência… que buscava sobre o se sentir. Somente sentir. E largar a mão de ser besta.

Dentro da necessidade de viver/amar/foder (eu vivi tanta coisa com outras pessoas que eu gostaria de ter vivido contigo) é castigar o tempo apaixonado pelo mesmo ser (novamente). É estar fora do envelope. Como é bom sair da casinha com os pés no chão, cabeça nas alturas!  Buscar aquilo que está do outro lado porque falar é barato, mas é incômodo. A. me lembra que é lindo ser mais colorida – vertiginosa. No mês passado, o mês de ‘abril se encontrou com setembro’  talvez pense no que vai dizer antes de… de… um gosto esquisito, mas de certo modo tem oportunidade de uma comunicação sincera e fluida. Bom. Abrir a boca e lamber e sorver e chupar.

Além disso existia a distância e (…) mas ela terá a coragem de levar sua história adiante até o fim. Ela conta que está ali há três semanas, sozinha, entre idas e vindas – Agora eu estou bem. Sozinha, dentro dessa perspectiva monogâmica mundana. Só queria esquecer aquilo tudo, ela diz. E eu ouço. E faz frio.

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Há de se praticar pequenos nadas todos os dias.

A passagem aberta do formal ao afetivo é mais para circular com um pouco de irresponsabilidade e de maneira muda, alheia à linguagem, por centros de força. Por um momento de entorpecimento uma coisa que ficou no meio do caminho serviu-se ao ímpeto de aliviar a minha fome. Os estilhaços de significado juntam-se a estilhaços de imagem com uma forte intensidade de desejos pessoais entre corpo e forma, que quando perdem contato com a estrutura interna, tornam-se moles, porosas, arenosas. Tornam a ambiguidade ainda mais endurecida. Um casco que, pela própria imobilidade, vai se recobrindo de evidente lirismo. Mesmo as intervenções que continuam fecundando nosso pensamento tornam as impurezas mais discretas. E é assim que as coisas funcionam ao lidar com formas pouco definidas de matéria mole, evitando quase sempre os vazios conflitos por miudezas e  a escolha construtiva era um fato ético, individual de atribuição de sentido. (Sempre subjetiva).

Disposto a qualquer significado o fogo começou às 4h45 da manhã.

 

 

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Entrelaçamento

Acima de tudo era uma série de breves cartas que procurariam explicar como um mundo é mais forte e o que o torna assim. Aqueles diferentes de nós (sempre) a sair de nossos preconceitos e limites ensinam cuidar de si e de sua pele.  As imagens não registradas mostram  o quanto alguns viajaram para o passado dispostos a refazer o retrato com frente e verso. Narrativa fílmica que se segue nunca foi e nunca será mais do que um maravilhamento da espera, e da paciência, da atenção à multiplicidade das sensações, da consciência da mutabilidade do universo, da reflexão, da busca, da persistência. Brindemos então à pura alegria, à absoluta liberdade. E no entanto é plural e como poucos chegou às vistas revestido de lenda viva. E há sempre as estrofes dedicadas ao “soninho” e ao “carinho” – urgência incomum. Gastara apenas vinte e três segundos. Carregou-se rapidamente em alguns símbolos momento a fim de manter as emoções equilibradas (rs). Puro magnetismo.

 

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Deixar paisagens

Ela acreditava que sim, e por isso ia na igreja conversar com ele.

Não adiantava, ela entrava e saía com a mesma sensação de mudez. Via aqueles encontros imaginários como acontecimentos, um espelho de suas próprias canções. Se embriagava cada vez mais, pelo modo como mudara seu pensamento e sua conduta mostravam isso.

Cantava enquanto pensava no que vai arrastar-lhe, movimentar. Nunca soubera, sentira como ao sabor dos ventos, dos cheiros, da preguiça. Ia se entregando ao invés, em direção a um pensamento prévio iniciado anos antes. E atrás dele perseguia. Se via como ser desejante pronta para uma nova peripécia atordoante. Queria mesmo era ser angelical e ter uma linearidade bem próxima de uma normalidade.

Desconhecia o motivo de sempre começar de um jeito e terminar de outro. Desconhecia o segredo da permanência, da perpetuação. (Não sabia o que eram raízes criadas, só aquelas com as quais já nascera, as novas ora saíam dos seus braços, ora das suas unhas, ora do seu sexo).

Buscava a possibilidade de conhecer o seu próprio movimento, e a rigidez a mareava. Afundava os dedos naquele areal na beira daquele rio vendo aquela paisagem urbana desordenada sentindo o cheiro nauseabundo do ar impuro e imperfeito. Seguiria para outro mundo, não que não doesse profundamente em todas as suas articulações, como um ritual (santo santo santo, senhor deus do universo).

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Requintados torturadores

Ainda em ânimo para mudar a sua vida que parece fluir descontroladamente. Encontrar sentido sobre o que se passa mas busca o prazer carnal (em se amordaçar) onde mais frequentemente lhe encanta. Demonstraria, se lhe fosse dada a palavra, o quanto há de mortal em vários dos seus gestos e pensamentos de deusa. Sabe  que podem ser perniciosas as perspectivas exageradas e dramáticas nas famílias e nas vizinhanças, que  agem com suprema covardia diante da (falta alheia) (falta?). Gostava de usar um pijama estampado idêntico ao descrito por ele. O cuidado de se abrir à possibilidade de muita frustração passa por essa situação de desconforto e a estabilidade almejada se esvai.  Exames iniciais mostram que o provável é que esses números quase circenses sejam apenas a ponta do iceberg. (E pensei que voltaria) iluminando e clarificando as belezas. Nada de pensar, nada de imaginar são reações paradoxais às violências geradas de pequenos gestos (contra elas)  transmitidos ( de alto nível de toxidade). O fato é que reescrito ou redistribuído não mudará muito o teor, e a pena viver o lado de alguém sem número,  assumindo o outro em silêncio é arrebatador. Não é preciso ficar infeliz para semprepor outro lado, o aceite legítimo da sociedade dos hábitos contraditórios é muito normal. Nesses motivos será possível contar com o outro? (Convidada a prestar esclarecimentos).

 

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Fogo fátuo

Apoderou-se aos poucos do espaço. O que antes dormia (sempre um desejo de tentar dormir horas seguidas) encolhida, forçando a abrir as pernas e os braços. Fazia sempre como um exercício de yoga, tensionar e relaxar, se permitir e, mesmo que dentro de um aprendizado, expandir.

Sempre tão contida, tão mínima, voz baixa, gestos curtos, roupas escuras, sempre à procura do silêncio.

Vicente lhe dizia sempre da sua beleza, mas nunca sentira isso de fato. Algo contido, doído dentro. Aquele limiar do inativo para o prestes a explodir, o que nunca aconteceu, sempre na lentidão. A brasa, o suspiro. Desejara a solidão para que pegasse fogo. Um dos exercícios resumia a se olhar nua no espelho – como era difícil olhar as pernas, braços, ventre, seios (um bem maior que o outro).

Um dia encarou-se olhos nos olhos. Frio, esse frio que não passa.

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Deslocada do sentido (porque ainda sou machista)

No seio de uma vertente não tão alternativa falara muito, mas pouco claramente, porque era impedida (por si mesma) pelo medo da fúria, da resposta, do silêncio. Porque achara que falar a verdade incomodaria demais. Falou (pouco) e voltou atrás mil vezes, sempre na opção delete, suspirar, dois passos atrás. Pra não ferir o ego alheio, pra não ser desamada (porque falar traria desamor?). Daí vai ficando algumas amizades e amores na névoa, em que tudo acontece mas ninguém deixa claro o que acontece. Passara a usar os sobrenomes, ao invés de dar os nomes, era uma outra muito pouco conhecida forma de se proteger (de quê, afinal?) que merecem todo o respeito (sic). Toda sorte de inúmeros absurdos em sua biografia: ser sempre simpática, útil, amiga, amélia, amante, prestativa e bem-humorada para “compensar”.

A sua face amorosa está sujeita a abusos muito mais constantemente do que vai dizer sua consciência. A passividade que acontecera (que fere) desejara que isso não existisse mais, mas as consequências por tentar ter sido franca quanto (aos rótulos) são insuportáveis. Todos direcionados a si mesma. As mulheres estariam sempre na linha do ‘tinha que’. Entendera que qualquer mulher que fuja do padrão do mito da beleza e do comportamento ideal o faz de maneira caricatural e estereotipada aos olhos feridos. Sem pensar a respeito disso iria ser engolida. Uma equação difícil de fechar. O voltar atrás não é sempre a melhor solução. Nem a solidão tão pouco. Essa sensação de burrice não passa.

É cansativo, mas se não for assim, fica mais difícil ainda.

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Não toquem em nada

Na perfeição que encontramos na reparação e no auto-perdão, na renúncia do nosso orgulho,  talvez possamos existir e ampliar a experiência do afeto pelo outro… eliminar a culpa e a angústia que sentimos quando ao agirmos fora do padrão, amamos. Alucina. A moral  de uma atitude nossa que de um afeto tão grande (uma vontade boba de mexer nos seus cabelos) gerado assim que sentia e ouvia perfeitamente o ruído do carinho nas suas costas. Naquele instante (não) em sua mente (paira no ar) sente que deve deixá-la ir (a boa do afeto compartilhado) da mesma forma que vieram, sem tocá-la, compará-la ou julgá-la.

Conseguimos renunciar às desarmonias e junto e dentro compartilhar uma porção de coisas que produzimos em nós mesmos, pela nossa vida ou morte e iluminação e desilusões e incapacidades e desentendimentos. Pode ocorrer por deslocamento (de sentimentos e emoções) ou por projeção (de desejos). Compartilhar muito. E teve vinho e cigarrinho.

Unir-se às pessoas certas.

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Jan Groover

 

Recolhimento ao silêncio

Travar uma luta entre vícios de pensamentos acabam naqueles embates físicos que doem as articulações. Identificar e reconhecer algumas ilusões, como a raiva e a sensação de impotência, pede uma fase de recolhimento, silêncio, introspeção. Compreender isso é um bom passo. As dores são gradualmente reduzidas se se passa por uma transformação geralmente muito lenta  –  a mente é capaz de mudar esses fenômenos, ou seja, elas contêm, ou carregam, sua própria existência e a possibilidade de expandir, liberar-se. Ahn!

Reduzir e aprofundar-se na mais pura e inquestionável certeza revela, entre outras coisas, aquilo que tememos. Uma necessidade espontânea muda a importância que damos às nossas próprias crises.  Garantir a saúde estrutural é um desafio diário. Ao mesmo tempo em que se pode desejar profundamente se abrir emocionalmente (…) pode-se ter muito a dizer sobre muita coisa.

Onde se encaixam os antidepressivos nesses cigarros?

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Vivian Maier

 

 

 

 

Sobreposição dos tempos

Admirava capacidade de alguns de acumular energia quando submetidos ao estresse.  A procura por reviver o passado talvez de forma diferente persegue, em um apego incontrolável. Minhas crenças nesse momento não importam, embora a resposta cortante tenha marcado. Agiu de uma maneira muito simplista para reduzir a questão.

Há profundas aspirações que temos que podem nutrir nossa vida ou envenená-la. Numa forma quase natural de ser refém de si mesmo – uma força cega numa motivação ampla e justa é comum. Duas ou três posturas altamente semelhantes e ao mesmo tempo díspares. Podemos fazer muito mais do que somente usar as ferramentas que conhecemos (cozinhar à distância).

Um nó imaginário em torno do seu pescoço ajuda a fornecer insights de vida. (Quando isso a fez entender  que o fato deixou de fazer diferença?) Por que tanto apego à existência se sequer sabemos o que fazer com nossas vidas?

Acho que vou procurar um bom vinil pra escutar.

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Nó teórico

Ser alguém contida ameniza obrigação comportamental relaxando e tranquilizando o corpo, de forma mais profunda a cada vez. A estética padronizada desumaniza as curvas e tenta-se entender onde a feminilidade reside, ou pelo menos a sua própria. A mudança vem também pela violência, pela ruptura que ela pode exercer, pelos rasgos. O encontro com o outro era uma habilidade adquirida que apesar de simples, não era uma prática diária. A necessidade de manter coisas e assuntos esquecidos era contra aquilo que acreditava: falar era uma busca pelo real, belo e verdadeiro. É totalmente possível que outra pessoa nos entenda muito mais do que nós mesmos. Observava bem de perto e desiste de ver, se recusa, mesmo não sendo uma condição involuntária.

Revelar muito sobre você pode confundir mais que esclarecer.

 

Ahn, se pelo menos conseguisse não dispersar tanto. Se pelo menos conseguisse não se preocupar tanto.

 

 

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It’s ok thinking about ending…

E teve aquela que ficou 8 anos sem dar pro marido porque ele a destratava. E escolheu, você não encosta mais a mão em mim – ela não entendia porque ele a amava no sexo e não no dia a dia. E ele teve um caso, cinco anos, e ela foi humilhada. Mas contou que virou a mesa, quebrou pratos, berrou verdades, e que a partir dali ele fez tudo o que ela quis. Contou isso alto, berrando, fazendo todas em volta rirem. Em um casamento de num sei quantos anos metade foram sem sexo, com traição, com desgosto.  E teve aquela que se julgava boa esposa, que já tinha aproveitado a vida de solteira e que agora o casamento era algo muito valioso e que valeria a pena manter. A vida dela teria pouco sentido sem o casamento e ela sabia. Depositava ali seu cotidiano, seu consumo, sua vida e lá pra si dizia que não se pode ter tudo afinal. E outra que ama um homem casado, e ama e ama. Se contenta com espaços (entre família) que eles conseguem, com o sexo nirvânico, com os doces que ganha, e ali permanece, vivendo esse amor sem futuro, evitando pensar para não estragar. Tinha momentos de lucidez, de que aquilo não estava sendo justo com ela mesma, ou do quão limitada e pequena a posição de amante, mas, silenciava sua insônia com chocolates e algumas coisas boas de comer. Aquela que se contentava em ser a última opção da noite, sempre ia pra casa com o moço, bêbados os dois, se convencia de que essa forma era uma boa forma de amar. Já que ela gostava de sexo com ele também, e queria estar acompanhada  naqueles finais de noite. Os dias que se seguiam eram de evasivas, desencontros, estupidezas, que eram engolidas no encontro seguinte. Entristecia, mas não dava ouvidos quando alguém lhe dizia que ela seria maior que isso. Ela se via exatamente daquele tamanho e naquele lugar. Ela não era feliz. E tinha aquela, a mais triste de todas, que era muito politizada, cheia de palavras e discursos, de posturas e composturas. Viveu um relacionamento abusivo durante sete anos e fazia exatamente o contrário que suas palavras diziam. Mas ela pouco sabia disso, afinal, era uma equação difícil de se resolver, como ser mãe, esposa, dona de casa, profissional sem ser submissa. Ela simplesmente não entendia como isso se dava na prática. Costumava fazer tudo o que podia para que o outro gostasse dela. Ela sentia que ele desgostou da vida com ela quando ela engravidou, mas ela insistia, porque mais importante que ela estar bem era estar casada. Ela se sentia diminuída por ter desistido da profissão, sua auto estima foi se estilhaçando. Tinha aquela outra que se agarrava nos ciúmes, e por isso se submetia às vontades de controle do outro como uma troca justa. E tinha aquela que achava que era pra ser assim mesmo. Um ou outro tanto faz, são todos iguais e ficar sozinha é o demônio.
Traições, tensões, maus tratos, insultos, mentiras.
E ainda tinha gente que defendia que casamento era assim mesmo.
E ‘ele’ se aproveitava da fragilidade ‘dela’, aproveitava muito, porque ela foi criada pra ser assim. E ele também. Nem tudo o que a gente aprendeu é pra ser. Não é porque as coisas sempre foram que devam continuar.
It’s ok thinking about ending all this shit.
020-mona-kuhn-theredlist
Mona Kuhn, Lyric, 2012

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