Concha

Você afunda e abaixa a cabeça na roupa de cama… Você especula sobre o luxo de se esgotar toda a existência ali, um pouco. Como que em uma concha fofa, o conforto de se sentir bem, sem precisar mexer para nada, dura pouco, mas é bom. E o tempo todo consciente do calor delicioso, de como você sente você e você sente e novamente, novamente sente.  Esse pensamento acolhe e irá reunir uma multidão de outros a lançar sua tez durante a hora do seu despertar.

Quando minha cabeça está oprimida e um calor seco e febril irrita a pele e o sangue, de modo que cada toque e qualquer som pareça com um ferrão de escorpião agudo, imploro para que me levem à pedra primeira (ou qualquer outra) do sono. Lá deixa-me acordar das ondas e da fúria da brisa do alto. Essa brisa é cura e aleitamento, esfria a minha testa, acalma meu cérebro. Posso abrir os olhos e todo o resto parece estar quebrado, apenas uma pitada de queda no ar e a umidade toda levanta-se. E é como se alguém tivesse colocado um grande manto pesado em meus ombros. Não posso mais olhar onde a luz é mais brilhante, na fresta da cortina, que os olhos estão areia e a boca seca.

Você se encontra, por algumas horas, bem acordada nesse reino de ilusões e contempla as paisagens maravilhosas. Existe um entardecer na solidão das noites em claro e em tudo o que disser então. Todas as mulheres em mim estão cansadas. Apenas esperando o sol, apenas como seu cigarro queimado. Quanto à solidão – você nunca poderia saber o quanto do amor e da companhia diminuíram sob esse efeito.

[…]

Se você pudesse escolher uma hora de vigília fora da noite inteira, seria isso.

 

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Foi agorinha

Você chorou embaixo das árvores domingo de manhã, bem reparei. A árvore esqueleto no vidro da janela, persiana do vento. Oh, nada é de graça, nem uma vela. Bem, talvez você possa ver e me dizer para onde foi. Folhas caídas enredam através do céu visto daqui. Uma lua nervosa incandescente do branco como o fogo, só deixo estar. E volto a respirar.

E está tudo bem agora, está tudo bem agora.

Música como na garganta de uma sereia, e estou te chamando, é minha voz. Você é um homem novo agora, que acorda coberto de sangue que não é seu. Cheio de energia proibida, cintilando na escuridão. Tinindo. Percebe que tem que romper com estruturas, percebe o que lhe falta para isto. Você chorou embaixo das árvores no domingo. Eu bem reparei.

 

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Lina Scheynius, Amanda in London, 2014

Com a pele

Está se fechando demais, siga até eu ver onde você começa a se esforçar em tempos tão apertados. Quarenta horas para sair e verá quando os copos quebrarem no chão. Então vai ser tempo para crescer e eu vou tocar seu coração.  E siga até eu ver onde você começa a arder.‘Debaixo de montanhas cobertas de neve vou partir seu coração eu vou estar sob sua pele, vou partir seu coração’. E siga até eu ver onde você começa a quebrar a cara de todos eles. E o muro desmorona. Um momento íntimo de auto-reflexão e remorso. Me apequeno se questiono as coisas muito, e às vezes isso me leva a muito pouco, bem longe do possível. Auto-sabotagem mesmo diante da oportunidade de felicidade diante dos próprios olhos. Às vezes é mais fácil deixar o ego dominar e às vezes você fica preso em um momento que lhe dá alguma clareza. Um desses momentos: uma fração de segundo de atração que se transforma na percepção de que o que já tem ou teve é muito mais real e significativo do que o que está acontecendo lá, naquele momento. As relações são como tudo na vida que insistem só porque você está profundamente apaixonado por uma ideia, não o impede de ser cegado momentaneamente, fatalmente. Está tentando reconhecer esse traço e lutar contra esse instinto. Não há tal coisa como a perfeição, mas todos nós podemos tentar ser pessoas melhores, não podemos? Disse-lhe que nunca voltará para casa e se essa vontade se transformar em uma onda, deixará você sozinha. E a sua vida tomou um rumo estranho, desnorteando você no meio da noite e a noite se transformou em dia, e sua menina disse que te amava.

 

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Kris Knight

É para o corpo descansar

Quando se está envolvido até o pescoço, na maioria das vezes, ousar com a escrita desejando ampliar-se de um conjunto de hábitos a uma quantidade de elementos de um livro é brutalmente difícil. Tendo uma unidade mais ou menos estável produz um efeito colateral bastante incômodo. Um estado mineral perigoso torna um comportamento que até então era capaz de enfrentar o tempo –  estático – não mais produtivo. Partir para o estado líquido (anotação mental). O liquefeito não é difícil de se relacionar – licença poética de cada um. Teve época que  parar na borda da piscina e  perguntar se algo parecia absurdo. Contou que jogou fora um romance.  Acabou o prazo – disse. Gorou.

Desse inacabado não quero participar. Estar sempre à aproximação do prazo final ou do seu início confronta com sua própria mediocridade, nunca me iludi quanto à possibilidade precisa de se controlar. Quando se chega a certa passagem estar em casa trabalhando sozinha o tempo vira um tipo de envenenamento providenciado durante algumas taças de vinho. O jantar e o almoço inexistem, nem pausas. Só vinho e continuidade. Solilóquio afetivo. Falar em voz alta para encontrar as perguntas certas e certeiras.

Vinte e cinco minutos.

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Eu sinto seu beijo no meio da noite

Não apenas pela beleza do colo, da nuca, do peito, mas pela eletricidade que acontece sem controle. O homem que me olha, de um jeito, sem respostas definitivas, verdades últimas. A sua percepção das coisas aparece mais completa, e este aspecto favorece  os escritos e as trocas intelectuais – e que revela igualmente que pode surgir felicidade e liberdade, construir relações positivas em todas as direções.

A música é a maior das artes, e seus timbres, os timbres (…),  imprimem movimento à sua existência. Nosso coração e nossos pulmões afirmam com toda a ingenuidade: a paz eu levo comigo. É, considero todo mundo louco de espanar a poeira. Como está sua mente? A sombra, a luz, a pouca luz, nossa felicidade, nossa alegria, nossa energia, nossa respiração, nossa vida pulsa em cima de texturas  instáveis, até que chega o silêncio.

Ele desenhou imagens com linhas mágicas, e houve primavera e girassóis.

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Gilbert Garcin, Save nature, 2010

 

 

 

 

 

 

Ele saberia da sua própria insinceridade?

Tinha bons modos, falava bem, caminhava bonito.

Sabia usar da gentileza como forma de sobrevivência social, charme pessoal. Era realmente um encanto, queriam estar perto. Essa impressão se desfaz  nos detalhes. Com um pouco mais de convivência, um pouco só estando perto, o carisma se torna caricato. Mas prega uma bonita versão de si mesmo, em alto e bom som.

Observo os gestos, a impaciência no olhar, a respiração presa por segundos para recuperar o fôlego até acabar em uma risada nervosa alta, naquela tentativa de embaçar sua pessoa. Uma doce vingança, você me vê, me deseja pelo meu sorriso ininterrupto e pela poesia que faço –  mas você não me tem.

Duas águas pra mim nessa noite e estou tranquilo – diz.

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Marie Amar

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