Se você ama alguém e ele está ferido, você o ama ainda mais.

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Havia estradas, hotéis, um pouco de luz lá longe. Não havia lua, havia breu e arrepio. Pouco para comer, farinha, feijão e chá preto. O sufrágio feminino também abraçou o tabagismo como uma forma simbólica de discordância quanto ao papel de gênero e um sinal de independência. Portanto, à sua maneira, a decisão da senhora de fumar foi mais do que picante. 

Ainda assim, houve a mais requintada hospitalidade de estranhos que oferecem tudo o que têm.  

Mulheres do interior contadoras de histórias de beira de fogão, enquanto cozinham o feijão, cantam diante de pinturas que retratam as histórias de suas canções. Hoje eles abandonaram os mitos e apenas pintam e cantam sobre catástrofes: 11 de setembro, 111 presos, 111 mil mortos- eu me pergunto se isso um dia vai parar. O interesse é no encontro de formas muito antigas de imaginar e contar histórias com realidades contemporâneas. Uma forma de ver o presente remotamente.

Estou tão entediada hoje como sempre. Exausta pelas voltas do pensamento condicionado, que não chega a lugar nenhum, só até onde a dor no peito desafia a lucidez. E aí me sinto feliz e tenho o desejo de compartilhar minha felicidade (…). Mas isso foi em um outro dia, um outro tempo. Hoje, as atividades desnecessárias foram eliminadas e fico com minhas fotopinturas. O dia era sonolento, perigoso, sem esperança.

Grandes degraus de uma exibição implacável de todos os aspectos da vida humana, os peregrinos tomando banho, os cadáveres nas piras funerárias queimando, os turistas olhando, os homens santos nus fumando ganja (….) Nada é sagrado porque todos os limites foram rompidos; tudo é sagrado porque todos os limites foram quebrados.

O que essas pessoas sentiram? Posso me sentir como eles? E, se eu me sentisse como eles, o que faria? 

O presente é uma coisa terrível. E só quem deixou de acreditar no futuro imagina que não tem passado.

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O azul de todo dia

Seguia pelas ruas e de dentro do táxi observava pontes e bicicletas. Ele fez cara de mau, aposto que era só pra foto, riu vendo o trio de turistas. Então eu permaneci, destruiu a imagem maior da desistência. Pensava como ali era um paraíso para os fumantes, o seu coração é oco e estou afogada em tristezas, ouvia no rádio. Centenas de pessoas falam, podem falar. Só ter quem as ouça.  Mais desanimador do que a apatia que se tornara o modo de ser deles era a matéria-ódio que se instaurara nos espaços vazios.

Era quase imperceptível, mas ficou bastante evidente nos meses que se seguiram. Sem a vontade de espera sua pele queimava diante do vazio que estava. Preenchia-se com carinhos, com dedos, letras e café. Se você valoriza sua saúde mental, empenhe-se na direção de coisas que lhe dão prazer. Para entreter-se somente. Vivemos como que nos debatendo como os justos que permanecem em silêncio. Então para não ter que dizer corria riscos.

Da perdição que é o descarte, agora voltamos ao centro de tudo e o que conhecíamos era insuficiente. Desceu, pagou, e ficou muito tempo ali, na entrada da estação, ao lado da sua bagagem, assumindo sua nova condição. Eu não podia levar você, e eu nem percebi isso. Lembrou do mar estrangeiro tão diferente do seu mar. Eu tenho o corpo sem mente e ele grita como a dor. Mas a boca não grita e nem sequer sussurra, boca calada, porque ‘seu pai evém chegando’. O mais pessoal que está disposto a ser, e quanto mais íntimo você está disposto a ser sobre os detalhes de sua própria vida, o mais universal você é.

Sorri gostoso quando vê a placa da estação do metrô, de um azul sem pátria, pantone que era.

 

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Helena Almeida, Inhabited Painting, 1975, Acrylic on photograph