O azul de todo dia

Seguia pelas ruas e de dentro do táxi observava pontes e bicicletas. Ele fez cara de mau, aposto que era só pra foto, riu vendo o trio de turistas. Então eu permaneci, destruiu a imagem maior da desistência. Pensava como ali era um paraíso para os fumantes, o seu coração é oco e estou afogada em tristezas, ouvia no rádio. Centenas de pessoas falam, podem falar. Só ter quem as ouça.  Mais desanimador do que a apatia que se tornara o modo de ser deles era a matéria-ódio que se instaurara nos espaços vazios.

Era quase imperceptível, mas ficou bastante evidente nos meses que se seguiram. Sem a vontade de espera sua pele queimava diante do vazio que estava. Preenchia-se com carinhos, com dedos, letras e café. Se você valoriza sua saúde mental, empenhe-se na direção de coisas que lhe dão prazer. Para entreter-se somente. Vivemos como que nos debatendo como os justos que permanecem em silêncio. Então para não ter que dizer corria riscos.

Da perdição que é o descarte, agora voltamos ao centro de tudo e o que conhecíamos era insuficiente. Desceu, pagou, e ficou muito tempo ali, na entrada da estação, ao lado da sua bagagem, assumindo sua nova condição. Eu não podia levar você, e eu nem percebi isso. Lembrou do mar estrangeiro tão diferente do seu mar. Eu tenho o corpo sem mente e ele grita como a dor. Mas a boca não grita e nem sequer sussurra, boca calada, porque ‘seu pai evém chegando’. O mais pessoal que está disposto a ser, e quanto mais íntimo você está disposto a ser sobre os detalhes de sua própria vida, o mais universal você é.

Sorri gostoso quando vê a placa da estação do metrô, de um azul sem pátria, pantone que era.

 

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Helena Almeida, Inhabited Painting, 1975, Acrylic on photograph

 

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In all my holes

As certezas de que sobreviveriam podem ser vistas na minha escrita.  Há tinta, vinho, respiração, fumaça, desejo, consciência do presente e concentração. Fazer escrita é uma prática de meditação. Eu escrevo as palavras ou sentenças que podem ser conhecidas como algumas memórias, inventadas ou não. Sei que um dia  terá chumbo em minhas asas por ter lembranças que querem ser desmemoriadas. Sucumbir a suas obsessões seria até meio indecente, meio ridículo, aí vai que retorce, capricha no forte sotaque carioca e mostra uma coragem que nem sempre se sente, mas não haverá o que temer.

Na empreitada de então, foram ouvidos oito dos nove integrantes que não conheciam bem a área, tudo é forma, aparência, ilusão e perspectiva. Depois de troca de acusações eles entram para o quarto. E o quarto entrará pra história.

Sim, ultrapassaram alguns limites. De tal fruição nada se sabe.

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Helena Almeida