Coração

A contradição nos faz sair do lugar comum do pensamento retilíneo. Estou feliz como se fosse te ver amanhã, acompanhando o destino de quem toma rumo desbaratinando por aí.  Me deixando inundar por uma letargia, uma preguiça para poder curtir esse friozinho na barriga que tenho em momentos de ansiedade. Penso em como reajo a algumas situações, tento lembrar desde quando tenho esses sinais, mãos levemente trêmulas, úmidas, coração na boca. Aprendi nessas horas a respirar e ser racional, para que não me deixe levar, e me deixar perder o controle de.

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Mordi sua tatuagem

A admiração é o combustível da vontade. A vontade de comer, engolir, possuir – sem o animal em nós somos anjos castrados. Pra quando os beijos já não são suficientes, e as lambidas sejam incontroláveis -. E morderia de novo.

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Menos tola

Deus que abençoe a morte com que me salvastes de uma vida tola – leu isso pela manhã, palavras de Tom Zé. Logo Tom Zé, um dos seus xodós. De vez em quando, as coisas faziam sentido! Havia encontros que tudo pra mim tinha valor naquele momento. São momentos em que tudo faz sentido, tudo fica bem. A gente se derrete por mais  um pouco daquele calor. Quero que acabe não, quero não. Esse estado flutuante e intenso era estranho, como se comporta quando se está flutuante e intenso? Vida tola, vida ordinária – tudo por uma vida menos.

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Leve

Arrumou suas coisas na bolsa, pensando em como ter menos e ser mais simples.

Deve ser leve precisar de menos objetos, e, principalmente, menos objetos na bolsa. Faz um caminho para ter pouco, cada vez menos. Qualquer felicidade excessivamente buscada fora de nós é absolutamente temporária, pensa naquela frase que acabou de ler.

Ter muitas coisas devia ter um motivo. Só que não conseguia descobrir se era uma forma de romper o isolamento, de se sentir um pouco menos solitária. Ahn, mas entender o motivo ajudaria a ficar mais leve e a escolher alguns motivos que expliquem suas ações. Ignorar não estava adiantando. Mas agora que resolveu ela iria em cada detalhe de si mesma para isso. Ela sentiu um impulso maior no que diz aos seus assuntos pessoais. Se sentir leve. Como essa bolsa pesa, pensou.

Preciso de bolsas menores, preciso precisar menos. O acúmulo é cansativo, e eu já estou cheia de andar capengando.

 

 

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ffff

It’s ok thinking about ending…

E teve aquela que ficou 8 anos sem dar pro marido porque ele a destratava. E escolheu, você não encosta mais a mão em mim – ela não entendia porque ele a amava no sexo e não no dia a dia. E ele teve um caso, cinco anos, e ela foi humilhada. Mas contou que virou a mesa, quebrou pratos, berrou verdades, e que a partir dali ele fez tudo o que ela quis. Contou isso alto, berrando, fazendo todas em volta rirem. Em um casamento de num sei quantos anos metade foram sem sexo, com traição, com desgosto.  E teve aquela que se julgava boa esposa, que já tinha aproveitado a vida de solteira e que agora o casamento era algo muito valioso e que valeria a pena manter. A vida dela teria pouco sentido sem o casamento e ela sabia. Depositava ali seu cotidiano, seu consumo, sua vida e lá pra si dizia que não se pode ter tudo afinal. E outra que ama um homem casado, e ama e ama. Se contenta com espaços (entre família) que eles conseguem, com o sexo nirvânico, com os doces que ganha, e ali permanece, vivendo esse amor sem futuro, evitando pensar para não estragar. Tinha momentos de lucidez, de que aquilo não estava sendo justo com ela mesma, ou do quão limitada e pequena a posição de amante, mas, silenciava sua insônia com chocolates e algumas coisas boas de comer. Aquela que se contentava em ser a última opção da noite, sempre ia pra casa com o moço, bêbados os dois, se convencia de que essa forma era uma boa forma de amar. Já que ela gostava de sexo com ele também, e queria estar acompanhada  naqueles finais de noite. Os dias que se seguiam eram de evasivas, desencontros, estupidezas, que eram engolidas no encontro seguinte. Entristecia, mas não dava ouvidos quando alguém lhe dizia que ela seria maior que isso. Ela se via exatamente daquele tamanho e naquele lugar. Ela não era feliz. E tinha aquela, a mais triste de todas, que era muito politizada, cheia de palavras e discursos, de posturas e composturas. Viveu um relacionamento abusivo durante sete anos e fazia exatamente o contrário que suas palavras diziam. Mas ela pouco sabia disso, afinal, era uma equação difícil de se resolver, como ser mãe, esposa, dona de casa, profissional sem ser submissa. Ela simplesmente não entendia como isso se dava na prática. Costumava fazer tudo o que podia para que o outro gostasse dela. Ela sentia que ele desgostou da vida com ela quando ela engravidou, mas ela insistia, porque mais importante que ela estar bem era estar casada. Ela se sentia diminuída por ter desistido da profissão, sua auto estima foi se estilhaçando. Tinha aquela outra que se agarrava nos ciúmes, e por isso se submetia às vontades de controle do outro como uma troca justa. E tinha aquela que achava que era pra ser assim mesmo. Um ou outro tanto faz, são todos iguais e ficar sozinha é o demônio.
Traições, tensões, maus tratos, insultos, mentiras.
E ainda tinha gente que defendia que casamento era assim mesmo.
E ‘ele’ se aproveitava da fragilidade ‘dela’, aproveitava muito, porque ela foi criada pra ser assim. E ele também. Nem tudo o que a gente aprendeu é pra ser. Não é porque as coisas sempre foram que devam continuar.
It’s ok thinking about ending all this shit.
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Mona Kuhn, Lyric, 2012

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De mudança

Desde que o conheci ele está de mudança. Mudança de estado civil, de casa, de trabalho, de pele. Ele me contou que precisava mudar, que sentia que sua morada não era ali naquele apartamento. Tempos diferentes, o que envelhece a alma e o que passam dias. E quando os tempos se afinaram, ele foi. Pra roça ele foi. Sem água, sem muro, com patos, gansos, cachorros, monte de gente.  É engraçado, que quando a gente sente a gente sente. Conheci-o endurecido por tantas regras, modos de fazer e usar. Hoje é a pessoa mais acostumada com a transição que conheço. E para isso ele precisou de silêncio, velas flutuantes, cartas coringa, ouvindo o relógio da matriz, que bate de meia em meia hora, só de vez em quando.

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Caso

Pousou uma alma de gato enquanto eu comia pizza com cerveja.

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Um caminho para o minimalismo

Costumava catar arruelas enferrujadas nas ruas, enchia os bolsos, a bolsa, a mochila. Andava olhando para o chão, sempre procurando. Sempre. Era lindo o encanto que as cores lhe causavam assim como a forma circular. A necessidade de acumular e juntar coisas e tê-las pela beleza que esses objetos lhe causavam, foi dando espaço a uma vontade do mínimo. Indo de uma ponta a outra, do acúmulo à limpidez. E é onde pouso, arrumando objetos, desfazendo de papéis, pesos, vidas, bolos, ciscos, já imaginando como serei quando minimal.

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Marie Amar

 

Ele saberia da sua própria insinceridade?

Tinha bons modos, falava bem, caminhava bonito.

Sabia usar da gentileza como forma de sobrevivência social, charme pessoal. Era realmente um encanto, queriam estar perto. Essa impressão se desfaz  nos detalhes. Com um pouco mais de convivência, um pouco só estando perto, o carisma se torna caricato. Mas prega uma bonita versão de si mesmo, em alto e bom som.

Observo os gestos, a impaciência no olhar, a respiração presa por segundos para recuperar o fôlego até acabar em uma risada nervosa alta, naquela tentativa de embaçar sua pessoa. Uma doce vingança, você me vê, me deseja pelo meu sorriso ininterrupto e pela poesia que faço –  mas você não me tem.

Duas águas pra mim nessa noite e estou tranquilo – diz.

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Marie Amar

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Mas não era esse o caso

Você tem razão. Se me escreve, mais profundamente penetram as raízes. Se se consegue transformar o silêncio em algo confortável, muito proveito se tira disso. Tentando realizar uma intersecção entre a horrorosa necessidade de estar só com a esperançosa ideia de que possa dividir o estar só com alguém.

Aí, nessas horas a angústia me abraça e permanece, como um alerta, um incômodo, uma pedra.

Eita pieguice inevitável.

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Philippe Ramette, Rational Exploration of Underwater Funds : the contact

 

Acho graça

Quantas vezes não falei dele com amor?

Poderia estar somente cobrindo lacunas, atrás daquilo que falta à todas cegas. Não, não volto atrás. O que senti foi real, nada de vazias especulações explicativas, desculpativas, digestivas.

Uma vontade de lançar-se-me-muito a direção específica – cada amor contém um paraíso, sem saber, sem querer adivinhar o que o espera além do que você deixou no ponto de partida. Nunca mais voltarei a esse ponto de partida.

O movimento não existe, disse o sábio de cavanhaque. Imagino-me submetida a novas seduções.

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Chaïm Soutine, Polish Woman

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