Sábado

Tudo molhado, encharcado, um pedaço da torneira nas mãos, encanador chega, constata entupimento, misturador avariado, torneira nova, descompressor e o diálogo, adoro crianças, sou avô de cinco, filho com mel é o que é neto, separei fazem dezenove anos, no início sofri muito, mas hoje vejo que é melhor ser sozinho. me olhou fundo, respirou e disse, neto é que nem filho com mel. mil vezes. vou ter que buscar o ar comprimido pra desentupir o tanque, 250 reais de mão de obra mais as peças. pago chorando. alivia que a torneira não vai pingar mais, que o tanque tem uma torneira nova e que não irá pingar mais. esperando ele voltar pra terminar o serviço, vou terminar a faxina.

 

torneira_pingando_by_Ghmork

 

Com um sorriso agradecido e uma postura casual

Porque nada nas águas da ilusão sem fim se impulsiona a não ser ou encarar os pontos da própria alma que tanto incomodam (para um escapismo imenso). Onde os devaneios dormem, na trêmula e leve sombra saudável do sol. A imaginação alimenta nossos olhos, sem causa aparente… (profundo ressoar da sua parte). Mas isso pouco importa agora. Com emoção nada intensa, quase a  virar melancolia, aquela molenga como um “aperto no peito”, a qual quase já se acostumara.

A cor suave de verde é conhecida e feita para ajudar a restaurar física e psicologicamente os feridos, limpando a sujeira dos dilemas da vida com sua serenidade acolhedora. A cor ajuda a desacelerar e bloquear o escândalo do vermelho-sangue, vivo. Um pouco de morte acalma. Acumula…

Vulnerável e receptivo a tudo que vem de fora… cada gesto é lento, embora nunca estagnado. Estático, ou extático. Um quase erro querendo contar a sua versão da dor do mundo… algumas mortes, disco zen na vitrola. Ar e vida. Você pensa com muita incerteza a respeito da eficiência desses movimentos, com equilíbrio, harmonia. Mas isso pouco importa agora. Investigando coisas ditas (principalmente se o caso é que a nossa percepção de segurança é apenas uma falsa realidade).

Silêncios precisavam de atenção. Mas pouco importa agora.

BeFunkyPhoto

 

Insuportável peso

Era quase inverno, mas mesmo no quase, ainda não era, e o processo construtivo, a concentração e o esforço diários… mas ela congelava. Tanto que seus ossos doíam, principalmente seu pescoço e ombros, na esperança de que o tensionamento e o nervoso aquecessem. De alguma forma isso a pesava, a mantinha na mesma posição, imóvel, endurecida, consistente. A imagem mostra como ossos podem pesar no dentro da carne, como chumbo (chumbo: à temperatura ambiente, o chumbo encontra-se no estado sólido). Aí fica imóvel. Grave. Séria. Qualidade invisível e não se tem controle sobre ele. Muitas vezes provocando uma resposta social. Sempre significando alguém com o peso da existência. Então, num repente de atividade, se movimentava freneticamente (acessível em todas as suas formas) para produzir algum calor. A busca (cruel) pelo etéreo…  Ela só queria o gostoso, o quentinho.

Não presta pra comédia. Podia ter gosto de cereja pelo menos.

CHUMBO__42195_zoom

Solar

Da alegria que é a força que norteia o clarificado da vontade, ou a vontade clarificada, que nem fogo – renovação criativa. Longe de ser algo bom, em si – pode ser altamente perturbador –  o principal é agir de forma útil. Desenvolver uma maior, ou melhor, ou possível, ou desejável –  ‘realidade’ e estará criando, forjando algo possível. Ainda que isto seja uma vida sem graça. Se você não passa, eles passam. Envolvem a duras penas e lhe permitem tornar-se um ser mais forte (mais uma pieguice, quase insuportável). E densificam, até se tornarem carne. Prioritariamente a generosidade torna-o (o objetivo) poderoso, assim como a sensibilidade costuma destruir os outros componentes racionais, mas cedem pela qualidade do amor (sim, o amor tem qualidades, naipes), pra ser tudo junto. Um dom natural para uma troca fluida sua mas, uma intensa necessidade simbólica, analógica e conectiva (mesmo que aos trancos e barrancos) estarrece.

Anotação mental: ler muitos livros durante estes próximos meses e dançar.

tumblr_muvr5cGFVO1qgioqyo1_1280

Muito pouco osso

Cresceram de forma inesperada e pouco natural, talvez tenham tomado muita água. Não se espera que a loucura tenha sanidade e deseja que a vitória não seja da culpa. É preciso vida e lá estavam elas, potentes, revigoradas, folhas novas e pequenas flores brancas.

Fez suas anotações e esperava que ele também tenha feito as suas. Recuperar os gestos numa suave coreografia sem música. Só espaço e carinho. Isso tudo deixa dúvida sobre sua consciência. Mas por hora, a umidade adquirida era por demais importante.

009-albarran-cabrera-theredlist.png

Albarran Cabrera, Japan, 2013

Antes de qualquer coisa

Para deixar claro que as mais procuradas eram aquelas palavras, por assim dizer, que voluntariamente fariam esquecer muitas recordações do passado. De se abrir mão de prazeres (mesmo que em recordações) (o que não são capazes de fazer algumas imagens lembradas, hein). Esquecem que o resultado natural de uma alma é o desejo. O abandono de ver a imagem que reflete um passado quase recente acaba por fazer mentir a nós mesmos (e quiçá nos agradar) — um trabalho incansável de engano.  Ahn! Que não faltará uma legião de “bons conselheiros” querendo se meter na sua vida com nossas próprias mãos! (Mãos, só as minhas). Agora é possível dar uma reviravolta (suspiro), se lhe apetecer. (Caí nos meses passados mas estou inteira, só com um pouco de dor) (desconstruída, descabelada, amarga, sedutora, ameaçadora). Emocionalmente menos estável — síntese de um corpo ancorado por pura angústia, pressa. (Lembrando do que passou você merece o amor). Aquilo que evitamos não deixa de existir (pudera que assim fosse), apenas passa a atuar de uma forma mais sorrateira. Aí sobrevém: acontecer depois de (outra coisa) o desejo de (re)existir.

ABAAAemnIAI-1

Apertando laços

Tudo começou há cerca de dez anos quando cada um de seus passos foram pensados nos mínimos detalhes. Ele confessou os crimes, não chorou, não se emocionou. Apenas narrou o que aconteceu e disse: não tomar decisões é um ato muito importante. Guardou o papel rabiscado junto da carteira de identidade mas com a música delicada ainda nos ouvidos (se percebia). Agia como que destinado a fazer coisas maravilhosas… uma cena simples do campo com fazenda vermelha, um céu azul, nuvens brancas, caminho sinuoso com flores amarelas sobre montes verdes… náusea. [Pode tomá-la sem medo, repetia baixinho, o medo mata – muito embora ninguém morra mais por causa disso]. Com evidente prazer pensava na mesma cena (flash. . . mesma cena cores diferentes, casa laranja, céu marrom, nuvens vermelhas…) querendo uma resposta satisfatória e evidente. Descortesas dessa vez. Não bastou uma aplicação de um produto rejuvenescedor no rosto  para que a autoestima destroçada se transformasse em amor próprio absoluto.

dsc06875

Dos dedos não saem palavra.

Para que os exemplos não frutifiquem é preciso sempre uma dura lição permitindo para aqueles que assumem, por alguns momentos, o papel de carrasco. Apresentou-se espontaneamente muito embora possam incomodar bastante os aspectos contraditórios da sua própria natureza e o abandono das armas. Sair por aí beijando todo mundo e dizendo que ama (onde já se viu). A mulher da direita, com os cabelos louros soltos nos ombros, procura um lar. Desestruturação. Calhou de inventar a resolução de já querer ser outra pessoa que não quer mais nada disso, sendo daí o ponto de partida.

Despedida da carne extraindo beleza da ferida. Descrito por pessoas diferentes, o ato é classificado como ‘diferentes buscas’. A opção não é exatamente uma escolha, é um resultado que prepondera sobre outros. Não dizer é dizer muito. Desespero de quem ouve tanto quanto de quem diz. Dedos e ascos. (Compreendeu que muita coisa deveria ser afogada para que pudesse respirar).

Agora, terminar a cerveja e cama. Sim, nada hoje faz sentido.

016_david-goldblatt_theredlist

David Goldblatt

 

Ou a ausência dela.

Interfono e peço para o zelador para deixá-la subir. Aconteceu e aconteceu. Não se pode fazer mais nada. Sem querer comentar se conhece outros envolvidos, Evans foi quem deu início ao que hoje deveria ser lido por todos os condenados à prisão perpétua (por reais ou imaginados crimes). Todo bem quase pode ser alcançado enquanto ela dizia que ‘cansei de pensar em você’. Do silêncio (a falta de som) é que veio a ideia. E sempre de maneira suave e calma, a ordem era tranquilizar-se e produzir em seu melhor estado, em algumas situações. Parecia ter sido atirada bem em cima de minha cicatriz mais sensível, com peso de pluma. Que tudo está sempre certo, do jeito que deve ser. Foca na compreensão das qualidades e virtudes ou a ausência dela (acende cigarros de vinte em vinte minutos, quando o compromisso é somente consigo mesmo).  Ela não se arrependeu da decisão porque sabe que não tinha escolha. Cortante e frio será sempre.

nuvem

Lembranças acabam se confundindo com invenções.

Estar morta e esgotada é possível. Mas não é o idealizado por ela para aqueles dias. Que tenha ficado mais de uma hora ali, naquela esquina. Esperando. Em vão. Que tenha esperado em vão muitas vezes em muitas esquinas (porque sente que ultrapassou os limites). A experiência alcança alguma humanidade e corresponde a um movimento em direção à individualidade com força e rapidez.

A amiga disse: tenho  vontade de te sacudir! Parece que não quer ser feliz! Por favor, por favor.

Depois de colocar fogo na casa contudo, algumas “novidades” tendem a desaparecer, porque dizer a mesma coisa de outro jeito é dizer outra coisa então. O peso a prejudica no trabalho, porque quer andar. E  é a única forma realmente eficiente de nunca se perder – caminhar. Depois se acalma e,  quase invariavelmente, lá permanece esperando pela paz  recompensadora de si mesma. Como as satisfações com claros componentes sensoriais e fortemente emocionais, que embora sejam passageiras e exigirem pouco de si, é o que salva. De tudo é o que fica.

 

IMG_20170218_131029996.jpg

 

Da série ‘que não sou de ferro’

Urgências de viver alguma alegria, perceber algo que não vira antes, algo que faça lágrimas bonitas escorrerem. Porque a frieza (se tanto), que resolveu se adiantar e se despedir antes de ser despedida. Dizem que tudo agora é em estado de transição (muito embora ache essa ideia muito rancorosa), em que nada é para persistir. Uma necessidade de se ocupar do outro mais onde as características ainda são válidas e úteis – a aprimorar.  Do que é convidado a perceber algo que não foi visto antes, que passou e de uma forma imprópria se perde muita energia no processo. Suspende toda sua busca, seus desejos, sem resistência. A  situação continua muito complexa, porém, (neste momento) pode fazer algumas combinações interessantes que, temporariamente, colocarão as coisas numa direção positiva. Dedica-se com afinco a esse processo. Se não o fazem por alguma fraqueza, pode-se desejar que seja por impulso.

 

 

3d-artwork-abstract_1920x1080

Cair de joelhos

Perto do amor, do drama, do romance, queria apenas a pamonha que passa agora aqui perto, mas caio na não-fome, no sabor do chocolate e do vinho. É bom esclarecer também e fazer um pedido (já que os olhos pesam e o coração aperta) visto que nem tudo é perfume de romãs, que se adie mais uma vez a finalização. Está em estado geral de apreensão já fazem dias e ainda que isso doa, uma vez que nosso ego se estrutura a partir de apegos e identificações, quer muito o máximo do último respingo dele (que não existirá).

Transeuntes inexistentes de sonhos bons, bem antes que aquelas mãos segurassem firme meu ombro, forçaram-me os joelhos ao concreto; forçaram-me a desmaios sistematizados; ensaiados de onde a excelência começa em mim. Sabe quando se tem alguma vontade inabalável, forte, preponderante, daquelas que só passam quando você a executa até o fim? Pois que aparece uma coragem que nem sempre se sabia que se sente.  Isso sim, era o caminho que queria trilhar.  E a partir de um ímpeto não-realizado percebe que sequer tinha autonomia sobre sua própria vida. 

Mas ao contrário disso engole. Engole a vontade, o desejo, as palavras. E segue-se, porque é tudo normal (menos o sangue nos joelhos).

 

13007102_2008175119407557_2430418362731568881_n

 

 

In all my holes

As certezas de que sobreviveriam podem ser vistas na minha escrita.  Há tinta, vinho, respiração, fumaça, desejo, consciência do presente e concentração. Fazer escrita é uma prática de meditação. Eu escrevo as palavras ou sentenças que podem ser conhecidas como algumas memórias, inventadas ou não. Sei que um dia  terá chumbo em minhas asas por ter lembranças que querem ser desmemoriadas. Sucumbir a suas obsessões seria até meio indecente, meio ridículo, aí vai que retorce, capricha no forte sotaque carioca e mostra uma coragem que nem sempre se sente, mas não haverá o que temer.

Na empreitada de então, foram ouvidos oito dos nove integrantes que não conheciam bem a área, tudo é forma, aparência, ilusão e perspectiva. Depois de troca de acusações eles entram para o quarto. E o quarto entrará pra história.

Sim, ultrapassaram alguns limites. De tal fruição nada se sabe.

008-helena-almeida-theredlist
Helena Almeida

 

 

 

Voltou para casa sozinha

Poderiam deixar você nua em pêlo no meio da rua que não iria adiantar. A revolução de enterrar ou incinerar experiências, principalmente as não completas, permanecerá flutuando na íntima e desenvolvida vida. Pelos risos afora, com uma frequência bastante assídua, a flutuação seria o antídoto necessário para que ninguém estacionasse tanto em seus hábitos e costumes quanto ela. E que de um moralista discreto se transforme numa alma boa. O controle que se impõe ao treinar a aterrissagem trata-se precisamente de uma mente focada, calma. Ela faz tudo de si pra si e, escondida na sua não tão frágil sensatez, a pretensa liberdade aviva com um sistema mais afinado. A realidade e suas tragédias podem ter escapado às suas tentativas de controle e manejo exigindo um movimento brusco para manter o olhar altivo, ainda que se curve em demasia na presença de lembranças já anêmicas. 

Deu uma volta nos calcanhares e seguiu.

012-vivian-maier-theredlist

 

Vivian Maier

 

Dizem que aqui é um lugar triste

Porque eu já pensei assim, achar que uma maneira mais elevada de se viver era o que se devia buscar no início do outono daquele ano.

Ela resolveu buscar o tesouro, já que esperar sempre dói. Era só abrir um buraco e colocar dentro o sentido, o querido. Ou uma caixa. Querer saúde é querer noites boas.

Ela está presa, assim como sua vontade e capacidade. Dizem que aqui é triste. É viciante. Fico muito impaciente com o mundo se não estou realmente produzindo alguma coisa. Eu gostaria de pensar que um dia eu vou ser conteúdo suficiente e me sentir bem o suficiente sobre mim mesma para pensar que não se precisa desses tipos de insuficiências… e eu vou apenas ir e assistir tomates crescerem ou algo assim. Pois é, e que tinha um jeito quase impulsivo de alegria, mas a verdade é que não conseguia ser volúpia.

É que era densa e triste e os dias ficam nublados. Faria gosto de o contrário fosse.

003_arif_asci_theredlist

Arif Asci

Leopoldo loves like birds

Com uma grossa armadura invisível, passava horas deitado no quarto escutando e sentindo sob a pele todos as letras. Para resistir a mais um dia, ele me saiu com uma bordoada (como era de seu costume). Uma cena que acontecia sempre. Chamou a atenção para quem a falta de inspiração lateja e o desânimo que enfrentará para (…) se fará notar. Encontros nos quais já não se reconhece. A armadura funciona como um espelho, e imediatamente percebe-se e entristece. Mergulha na própria intimidade para conseguir transmitir a enormidade da vida e a enormidade do seu coração. Admira profundamente quem extrai da tragédia e da morte aquele efeito perversamente animador! Quando são convertidas em linguagem com beleza e honestidade, o sentimento torna-se reconhecível para um monte de gente. Mas esse rico material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído. Ahn,  passeava pelas avenidas sofrendo com a sensação de que a experiência e conhecimento de vida ainda eram insuficientes para perseguir quaisquer fantasias, validando a sensação íntima de (i)maturidade que o dominava a despeito de todas suas forças.

 

É que a vida se afetava imensamente com as diversas e fortes evidências de que o contrário seria preponderante.  Leopoldo teve sete ferimentos em sequências oníricas de gosto duvidoso.

 

leopoldp1

Azeitonas e besouros

Gostaria de ser coesa, calma e frívola. Nunca esqueço daquele vapor prolongado e suave dos meus 14 anos. Sonhava adeuses e sombras, dragões e gigantes. Cá estamos nós, nesse lugar, largamos as tralhas, as bolsas e as pedras. Nus a olhar grãos. Quando a comunicação deixa de existir, e as pedras fazem parte do alfabetário, o mar engole o sol e nem a lua traz a palavra novamente. Duvidam, não acreditam, retrucam. Aí eles querem explicações mais pro grotesco que pro alívio. ‘Até quando vais guardar o segredinho?’ Perguntam. Numa ilusão obstinada e persistente tentam dar algo de si mesmos, tentam; devem gostar de azeitonas e besouros. Saem dali, se separam na esquina, leve aceno, sorriso amarelo cheio de lua, pé ante pé. Certezas do imaginário.

 

 

 

 

24267462

Existir até na ausência da palavra

Acelerado o compasso da crise, a relação entre sem graça e sem sentido – sentimento generalizado no corpo e na pele, sufoca. Um paraíso de se viver e sabe que de nada adiantará muito pensar, pensar e pensar. Sentou-se na ponta do banco, de timidez, e se entrega ao pensamento sobre algumas questões sobre os dias. Documenta com sua Polaroid SX 70 o tempo para se divertir e tempo para a quietude. Em imagens ensolaradas com corpos que parecem não saber existir, mas carregados de sexo e às vezes amor. Às vezes carregados de um não-querer-ser-carne, às vezes uma presença natural. Mas este momento demanda maior reflexão acerca das pendências do seu próprio corpo. Aparar as arestas da carne, pele, arrepio. Respira profundamente até sentir as pontas das unhas, e mais um registro – acabam por se tornar uma aprendizagem. Imagem capturada.

É constantemente alimentada pela curiosidade, pelo que existe até na ausência da palavra. Pessoas que permanecem, que continuam, que andam, que roçam, que tem vontades. Sente um ressecamento nas lesões. São muito heterogêneas e podem não provocar, inicialmente, sensações dolorosas, ocasionando, dessa forma, um atraso da vontade de existir.

Enternece e lembra: tudo deve ser visto com seriedade.

 

amor cotidiano

Busca do sublime

Se a vida acabasse em mel, perplexos seguiríamos em aparentemente normalidade – disse o brincalhão. E já em idade de se comunicar, o menino ainda não fala e por motivos pessoais os pais resolveram buscar em muitas e outras organizações religiosas a palavra perdida. O cosmos é íntimo numa forma como a alma se identifica com a vida. Mas uma coisa não poderá esperar: sobriedade, pois sua alma estará muito mais interessada em perder a cabeça do que em mantê-la no devido lugar. A mudez do menino atordoa quem não compreende e em meio a exames, bençãos, rezas, súplicas, ele simples está. Busca o sublime (não conforma com a banalização)aquela aventura que te tire dessa existência ordinária com a qual já discorda visceralmente. Não, não teria idade para isso ainda…  para pensar sobre os ordinários dessa vida. Mas de alguma forma reage a elas com mudez.

O sublime está longe, mas está perto também, está no viés dolorido do entardecer de outono.

O sublime pode ser encontrado em alguns pensamentos e que ao observá-los fica surpreso na qualidade e profundidade desses. Imaginava incapaz de produzir poesia, mas eis que se pega em pensamento descrevendo poeticamente os acontecimentos. Encontra o sublime  nos comentários surrealistas, nas ladainhas, nas luzes na sua garganta, medidores, instrumentos cirúrgicos (que te sequestram da existência almejada e te devolvem ao lugar onde está).

Um dia irá gritar aos quatro ventos: a Vida é sempre surpreendente. Por enquanto, boca miúda. Vosso pai evém chegando.

boca13

Onde haveria um lugar assim?

As mesas são cobertas de objetos azuis vindos de várias partes do mundo. Um clarim começou a tocar e o mundo se dividiu entre almas atormentadas e almas atormentadoras. Rapidamente se tornou uma defensora das teclas sensíveis para um melhor controle dinâmico, e isso é o que sustenta a prática até hoje. Mil anos luz naquela esfera a fez  aprender e a desenvolver sozinha métodos sonoros, plásticos e também com letras. Como uma criança fazendo sua versão gráfica do groove. A princípio em sua forma original, depois rapidamente passando de um híbrido a uma ferramenta maravilhosa e assim, com ela poder usar para compor imagens. Automatizar alguns processos (tempo, vibrato) foi tão eficaz  que em seguida teve o desembarque do navio no infinito se tornando assim uma especialista em sons espaciais. Seu interesse por sistemas (já fizemos uma vez um rádio de cristal), a diferenciava e a colocava num outro patamar liquefeito. Logo foi  reconhecido e percebido como algo interplanetário numa parte de aprendizado e percussão (a pontuação era minimalista, sem prejuízo para regularizar as ideias).

Maravilhe-se. Homens de sensibilidade profunda já não necessitavam tocar os pés no chão para se locomover, deslizavam numa camada sonora invisível e muito próxima do silêncio. Resultado do delírio de que vivemos na forma sólida e leal. Acumular dados ali onde exista uma certa simplicidade cirúrgica dos diálogos e das pequenas notas do cotidiano. A fauna e a flora transbordaram os limites, saindo pelas janelas e buracos carcomidos da nave.  O único elemento de decoração era uma lâmpada feita por Giacometti onde estavam também milhões de livros. Desinteressastes na sua maioria. A cinco minutos da colisão, seus olhos ficaram azuis, e seu corpo foi percorrido por tremores. Foi onde aconteceu o céu de maio mais lindo que já se viu.

2

Mãos inertes

Chega cansada do trânsito, da falta de educação, da falta de um mísero silêncio naquele ligeiramente entediante bairro, da falta de. A falta de. O ônibus daquele horário era insuportável, a noite semifria, o sacolejo. Corre para o banho, tamanha é sua demonstração de rigor e de compreensão com seu próprio corpo. Havia alguns mortos era certo, o que era um alívio. Aqueles dos quais sua alma foge, dos não afagos. Volta para casa sem ter conseguido nada. Enquanto o corte no seio esquerdo foi sendo curado, outro quase igual aparecia na parte interna da coxa direita. Uma migração contínua da ferida pelo corpo era dolorosa e não se descobria a causa. Um mal ia fechando e outro logo se precipitava a se abrir. Sangrava e marcava, seu corpo já estava com sete cicatrizes (costas, mão, seio, barriga, joelho, planta do pé e agora coxa). Sofria com as lembranças que as marcas não deixavam esquecer. Absorvia grandes porções de ar para evitar o sufocamento da taquicardia que a não-calma trazia. O sistema nervoso tinha seus jeitos, artimanhas. Por trás dos suspiros queixosos e lamentos mudos havia o egoísmo. Auto circunscrita dentro das certezas, dos conceitos, pontos de vista que se veste deles com tamanha tenacidade que o limite está se tornando ensurdecedor.

Não há ajuda possível já que se recusa a sair e aliviar o peso de forma elegante. Cicatrizes eventuais ainda sem causa, além das próprias certezas. Há cura – dizem. Expurgando. Mas não se atreve a sair de si.

1

Apenas uma fuga para a intimidade

Essa saudade estranha que toma conta ao pensar o  feliz daqueles tempos em que nada do que hoje te atormenta contava, de que nada demais precisava, que tudo estaria disponível no bem querer e que o futuro te reservaria grandes coisas. Com uma certeza primitiva, uma faceta escura, porque agora percebe o limite e o tormento. Pois bem, os olhares e ouvidos atentos lançados sobre tua forma de existência e que te medem com tanta certeza, que se espera que não sofra tanto quanto os donos e donas desses olhares. As almas humanas têm essa certeza de haver algo que puxa para baixo, algo que decai. E numa autêntica passagem da ação para o pensamento (do pensamento para a ação) com a mesma intensidade, há também a certeza de haver algo que puxa para cima, algo que eleva. Essa saudade. Um e outro (subida e descida) se entrelaçam e criam uma tensão insuportável, irrespirável! Através dessa tensão o elevado decai um pouco, o decadente se eleva outro tanto. Dizem que deve-se transitar pelas duas condições sem julgar, ambas são necessárias, ambas existem e são reais. Nem compara nem rejeita, simplesmente transita livremente por tudo, e se te chamarem de incoerente e contraditório, tente abrir um sorriso.

 

 

 

22

Por uma vida encarnada

Chega de ilusões, ainda que uma parte sua evite a todo custo perdê-las. Sem querer e sem buscar, de repente se depara com tua própria alma e não sabe o que fazer, pois o momento evoca aquela circunstância de encontrar – que nada mais é do que uma interpretação espiritualóide para um fenômeno bastante natural do próprio corpo: sonhar acordado. O dia estava nublado, cinza escuro, ventava forte e nas mãos trazia pedrinhas. Não via ali nada que pudesse ajudar a atravessar aquela fronteira. Fora covarde. E a chave não está ali.

Alguém que supostamente deveria saber o nome daquilo, mas que não conseguia, nem se importava, recordá-lo. Mesmo passando pelo constrangimento de ter de conversar com essa pessoa, espreitando pelo momento ideal em que ela teria de refrescar a memória. Tamanha displicência com a necessidade de fazê-lo (por puro medo de sofrer) a jogava naquele limbo desmemoriado. Auto-imposta, a força da memória é dolorosa (melhor não lembrar, não falar, não tocar, não ver, não nada.)  É um modo de querer que tudo o que não nos bastamos sejam do tamanho do fato que teimamos em viver com o tudo (pouco) que somos. Cobiça de ser o que imaginamos. Um assunto, porém, ela prefere evitar: o improvável do invisível que nos levariam a uma outra humanidade. Hoje seu sonho fora sobre o toque, a carne macia da mão. Mira, antes de tudo, o passado.

Uma sobrevida.

 

 

IMG_7052 b

Tristes trópicos

E lá foi-se, disposta a encontrar uma forma de se expressar com a maior clareza possível. Seja descritiva. Desceu as escadas com aquela leve palpitação. Bom vê-lo caminhando na sua direção, momento de um olhar o outro por inteiro. Abraço apertado, suspiro dobrado, fique à vontade, vamos subir (suspiro). Bom estar aqui novamente. Mochila de um lado, olhar do outro, pé no chão, copo de água. Muita coisa pra contar, estar perto. Alma responsável por facilitar tudo para todos. O mundo complica, você tenta o simplificar. Observa melhor a arquitetura dos pensamentos como se isso fosse lhes garantir mais força individual.

Pode até ser assim (os óleos essenciais de cipreste, cedro e canela podem ajudar a trabalhar o desapego).

Pelo menos aqui nestes tristes trópicos que emulam a antiga Roma, que com pão e circo resolviam todas as inquietações e desejos, e mantinham o povo sob alegre cabestro; entre todas as severidades e restrições, bastante circo, nesse horripilante carnaval. Circo, postes e muito povo du bem.

Assim mesmo quer fazer tua alma, entre todas as severidades e amarguras existenciais, de vez em quando enfiar o pé na porta e declarar: vem. Sufoca e volta.

confe-630x3503

Alívio intenso

Seja de um jeito claro e direto, ou obscuro e retorcido o (temporariamente) temperamento frágil desperta tanto amor que se descobre incapaz de se interessar por outras pessoas. Faz sorrir e enternecer e ainda jura entender os sentimentos de afeição pelos meios que fazem com que se pareçam com um ser humano.

Um é a projeção do outro, da voz, do ouvir. Então, é risco o tempo todo…  enquanto digitava no celular as primeiras impressões de um amor desfeito, todos estavam em silêncio a olhar. O som que vinha das roupas aquecia, e fazia desejar. Quando se encontra algo que faz efeito, a gente acaba que coloca isso no coração, na alma. Quando dá certo é um alívio muito intenso.

Com os bolsos vazios de sentidos, os dias (vazios) minimizam a incapacidade de se relacionar com gente viva. Estejam ou não por trás dos aparelhos. Para saber o que pensam do mundo e o que sentem de verdade: carência, frustração, insegurança, desnorteamento, medo e hipersensibilidade (às reações danosas, desconfortáveis e às vezes fatais produzidas pelo sistema imune normal) em relação aos próprios dilemas num resumo de uma realidade melancólica.

Que os aparelhos salvem-nos da solidão.

4(52).jpg

Laura Henno, Rainy silence, 2007