À margem

A imagem de uma mulher domando um leão pendurada na parede destoava. Provável ter sido a última aquisição para aquele amontoado de memórias, de tão nova que estava. Tudo dentro de seu círculo começa a transbordar alheio àquela solidão escolhida ou imposta, melhor seria tirar os pés do chão. Não vai mais se contentar com sua vida atual apesar da onda de introspecção que isso lhe trará. Tem 47 anos, rugas no rosto e nas mãos e ainda tinha esperança de que haveria melhora. Deitar debaixo de uma árvore e não saber se irá se levantar amanhã, tomar uma caneca de café com leite e não saber quando será a próxima refeição, dores muito fortes que já experimentara nas carnes. Tem que haver uma fase que permite estabelecer quem você realmente é e eu não me sinto como se eu estivesse lá ainda. O básico, sabe, o primeiro de tudo, é sobreviver. Depois a gente pensa na vida, né, nas curvas da alma. Mas a fome e a fraqueza embaçam a transcendência da gente. Às vezes queria ficar em casa mesmo, assistir televisão. Queria tomar uísque de manhã, como nas novelas. Até muito recentemente eu não senti que eu tinha a confiança necessária para estar em algum lugar totalmente diferente, mas agora sinto-me um pouco mais livre. Me lembro de estar realmente incerto sobre se eu deveria mudar. Eu fiz uma coleção de tudo o que foi preto-e-branco na minha vida, as cores são só para alguns. Uma mulher usa um chapéu na cabeça – exatamente o mesmo usado pelo Mago daquela revista. É calma. Ela usa um véu – talvez ela viva fora do mundo, aprendendo através dos livros e não da experiência.

Há diálogos a serem realizados enquanto as coisas se transformam em algo sólido. Meu sonho é viver mais um dia.

 

na parede

Alpendre

Simplesmente não lembrava de um mundo sem distinções, exato. Sempre aquela relatividade insuportável, com transições entre as vidas e as mortes quase fantasmagóricas.

Eis que em uma vida pequena tudo faz sentido leve, como em outra vez existia em uma vida quase plena com cadência e claro movimento. Desconstrução como a de uma dose de cachaça no final da tarde, na janela de casa (como se fosse morrer naquele momento, mas não queria morrer) onde a tudo se pertence. ‘Achei que não sairia viva’ e agora haverá de conviver com a quase não sobrevivência e prosseguir acreditando nos bons corações – mesmo rodeada de situações-ódio.

Pegou um megafone e gritou, berrou, trabalhada na voz, no discurso, clamou pela humanidade, pela beleza. Tudo dependia da nossa capacidade de prestar atenção. Lutar com o destino que é contra a nossa vontade, e não quer e não vai se render. As palavras escorriam, usadas e já sabidas. Como se construir esperanças sobre bases de vergonha e sordidez? Saber, já se sabe. O que fazer com o que já se sabe? E não se soube também em qual momento explodiu uma pequena e quieta batalha dentro do seu peito, alheio à sabedoria e às bençãos desse mundo. Só pensava nas manipulações de sons e sentidos. Aliviar o sofrimento.

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Ilse Bing

Havia a necessidade de se colocar os medos para descansar.

O café não estava quente o suficiente. Segura a caneca com as duas mãos pegando emprestado um pouco de carinho. Aqui é o ponto onde se pode cair pela segunda vez, mesmo com os avisos de sempre, as coisas que já se sabe desde sempre. Em uma semana sentimos que tudo vai tomando seu rumo e o que mais se deseja é força, força de vontade. Pode ser que todos os produtos químicos que se acumulam no corpo tragam essa sensação de limpidez, sisudez. Pois que se sente como na mais longa pausa de inverno. É de apenas três dias, mas é muito mais do que realmente se pode suportar, não são essas pessoas que desmoronam afinal. Estão ali, bem onde matam a memória e a melodia.

E se eu tomar bastante tempo e amor não errarei você.

Então muito daqui é a parte onde peco por pensar que não devíamos tirar algum tempo (ansiando para que a solidão nos faça alguma coisa boa), pois que logo se descobre quão não se pode ser o que se é quando só, nesta casa mal assombrada. Alguns pensamentos se sentam bem onde matam os cheiros e se tomar bastante cuidado não se errará tanto e sempre.  Abrindo-se a formas não-lineares de saber, a pessoa que instantaneamente aceitou o desafio, já sente forte harmonia e equilíbrio na sua vida… existirá a possibilidade de permanência. Que se destinará a trazer-nos p(r)az(er) de espírito.

Qualquer coisa, se tiver tempo suficiente.

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Ben Zank

 

Sobre a fragilidade da bondade de nossos corações.

Teve uma vez quando criança, era aula de educação física e trocávamos de roupa ali mesmo na sala, escola pública que era. Era pra eu ter colocado o short embaixo da calça e assim pensando a tirei, na frente de todos os colegas. E estava de calcinha amarela e um menino riu. Não consigo esquecer isso, primeira vez que morria. De lá pra cá, morri várias vezes mais. As peculiaridades do caráter de pessoas aparentemente invisíveis deveriam ser compreendidas como importantes. Pois procuramos a desconstrução. A gente lembra, a gente cultiva saudade. Os copos que apareciam na foto davam a impressão que era uma pessoa organizada. Relativamente, mas dá a sensação de que ali haveria algo mais. Quem sabe outra pequena morte daquelas de darem vergonha nas bochechas e não nos deixarem esquecer. São arranjos que, de uma forma ou de outra, bloqueavam a importância da vida cotidiana. Conte-me dez coisas em que eu possa acreditar. A lua eclipsou o sol dia desses. Os muros são blocos de anotações das ruas. Segurei meus pés e meu coração que já vinha a disparar, protegendo-me da interferência do mundo. Maria ama peras e gosta um pouco de maçãs. Os filósofos são pensadores do abstrato. As alegrias já existiam mas tem extrema dificuldade em enxergar e avaliar as opções. Os desafios tendem a ser minimizados ao longo do tempo, principalmente no amor e no humor. Neles, tudo que se faz terá consequências decisivas. Neles, o tempo comanda nossas decisões equilibrando e integrando-se. As luas que estavam em seus ombros – impossível não sorrir – mostravam a sua verdadeira vontade (o que era a minha derrota). Pena que passou tanto tempo, tantos dias. Era muito bonito quando a gente se lembrava. Dava pra sorrir demais e era pra ser assim.

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Fan Ho

 

 

 

Nove e meia no canal

Engajar-se em uma conversa significativa pode ser muito intimidante e o crescimento que vem do exercício pode ser substancial. Porque o desabafo é muito louco, né, ele tem que acontecer de alguma forma, de algum jeito. O desalinho é ponto pacífico. A sutileza é o que se é sobre. Era pra ser levada pra esse lugar, ardia, pois se quer ganhar essa batalha. Obrigada pelo chamego, mas foi difícil. A raiva mais suave que dos que se ouviram por lá. Transformar a carreira. Um timbre especial, que mostra que atrai, que mostra um querer. Suaves e falsetes. Ali, queria um filme, e pensava a vida diferente de todo mundo. Acontece que não está comovendo. Assumir outro personagem, outra personalidade. Se tem alguma situação que vocês não possam lidar então consiga usar isso, ficou espantado. Mas não se fez sentido. Not good enough, ouviu. Pode dar-lhe ideias para rebolados para tornar suas conversas cotidianas menos cotidianas.Vê o que eu vejo? Yeah. It’s really hard, because they are just different people. Todos devem se preparar para o desfecho.

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Sabe do que fala.

No quintal, um dos cães começou a latir no portão. Ela serviu-se de conhaque em seu copo e balançou a garrafa. Levantou-se da mesa e foi até o armário e apanhou uma outra. Magro, rígido. Um rosto escavado, olhos fundos. Modos sarcásticos. Ora cansado, ora ardente. Sempre generalizadamente ansioso. Era assim que o via. Exatamente assim. No momento em que você tende a se sentir mais segura e serena, é a hora que os cães ladram pra que não se esqueça que a calmaria é ilusão. Hoje em dia ninguém é capaz de compartilhar uma sensação com o outro. A noite, alguns cigarros e algumas bebidas funcionam bem pra clarear os pensamentos. Eu não sei como você chamaria isso, mas eu tenho certeza de que não chamaria de amor. Eu conseguia ouvir meu coração batendo. Eu conseguia ouvir o coração de todo mundo. Eu conseguia ouvir o ruído humano que os cães faziam, sentados lá em outros quintais. Nada de mim se movendo, nem mesmo quando a cozinha ficou escura. Suspirou, mas sem nenhuma vontade de acender as luzes. Amanheceu ali, na mesa da cozinha, um pouco bêbada e um bocado lúcida. Sentir o que se sente depois de uma noite assim. (Na verdade, era uma pessoa que não sabe o suficiente para prever (ou entender) seus pensamentos e ações). Então foi feito tudo o que podia ser feito e, nesse começo de manhã, estava dando pequenas risadas anunciando pequenas alegrias.

 

Conhaque

 

 

 

 

Um sentimento de cada vez

No começo eu estava interessada na música que estava ouvindo em seu carro, depois de acúmulo de noites de insônia, procurando uma fase mais estável.

Noites em que a incerteza falou mais alto. 

Estava sendo conduzida com cuidado e a respeito disso sempre lhe serei grata. Embora não houvessem seringas, aquilo parecia um santo remédio. Agora um novo caminho, mais longo e melhor, com luzes, neons e alegrias de prosperidade. Você segura minha mão enquanto canta o refrão Esperei horas/Eu fiz-me tão doente/Eu gostaria de ter ficado dormindo hoje/Eu nunca pensei que esse dia iria acabar/Eu nunca pensei que esta noite jamais pudesse acontecer/Tão perto de mim… perto de mim.

Queria segurar seu rosto, deixá-lo cheio de carinho, mas não alcanço. Sorrio na sombra e você não vê, talvez também estivesse sorrindo. Gostava daquilo, de ser passageira, de ser guiada, levada, sem precisar decidir pra onde. Nem o como.

Textos se acumulavam na escrivaninha sob o teto branco leitoso, eram fixos no seu pensamento. Quando você está no seu interior e se permite contato com o outro, tão áureo, a música ambiente japonesa que se seguiu parece ser a que mais encanta. O minimalismo eletrônico lhe deu uma estranha certeza de que as coisas ruins passariam. Por um tempo prolongado governado pelos que não tinham necessidade desta torção existencial guerreira, seus pensamentos eram o que chamou de cura. Não estou muito preocupado, ele disse. Agora sim, teve certeza de que ele sorriu lindo.

Acendo um cigarro, penso se deveria lançar óleo em meus humores, naquela atmosfera perfeita. Como a entrar no sagrado, agarrei sua perna e queimei ~camada por camada~ arrepiando a beleza. Por sorte, você queimou também.

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O azul de todo dia

Seguia pelas ruas e de dentro do táxi observava pontes e bicicletas. Ele fez cara de mau, aposto que era só pra foto, riu vendo o trio de turistas. Então eu permaneci, destruiu a imagem maior da desistência. Pensava como ali era um paraíso para os fumantes, o seu coração é oco e estou afogada em tristezas, ouvia no rádio. Centenas de pessoas falam, podem falar. Só ter quem as ouça.  Mais desanimador do que a apatia que se tornara o modo de ser deles era a matéria-ódio que se instaurara nos espaços vazios.

Era quase imperceptível, mas ficou bastante evidente nos meses que se seguiram. Sem a vontade de espera sua pele queimava diante do vazio que estava. Preenchia-se com carinhos, com dedos, letras e café. Se você valoriza sua saúde mental, empenhe-se na direção de coisas que lhe dão prazer. Para entreter-se somente. Vivemos como que nos debatendo como os justos que permanecem em silêncio. Então para não ter que dizer corria riscos.

Da perdição que é o descarte, agora voltamos ao centro de tudo e o que conhecíamos era insuficiente. Desceu, pagou, e ficou muito tempo ali, na entrada da estação, ao lado da sua bagagem, assumindo sua nova condição. Eu não podia levar você, e eu nem percebi isso. Lembrou do mar estrangeiro tão diferente do seu mar. Eu tenho o corpo sem mente e ele grita como a dor. Mas a boca não grita e nem sequer sussurra, boca calada, porque ‘seu pai evém chegando’. O mais pessoal que está disposto a ser, e quanto mais íntimo você está disposto a ser sobre os detalhes de sua própria vida, o mais universal você é.

Sorri gostoso quando vê a placa da estação do metrô, de um azul sem pátria, pantone que era.

 

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Helena Almeida, Inhabited Painting, 1975, Acrylic on photograph

 

Neurônios-espelho

Uma noite de novembro na década de noventa esteve sozinha, e se estivesse tendo um dia ruim, não olhariam em sua direção. Talvez sempre se pode ouvir Você vai encontrar instantaneamente como viver. A jovem família tem prioridade, e isso faz com que se sinta um pouco pior. Os dois sentados em um quarto de hotel, diante de uma declaração absurda que era aquela – preferia as que vinham com força de mudança, quiçá equilíbrio. Pensar com prudência e estilo.

Pois que uma pessoa de tantas histórias, que acontecem em lugares um pouco indeterminados, revela possibilidades bastante limitadas e ainda assim não consideradas. Muitos anos atrás gostaria de saber em que medida a vontade verbal pode ser traduzida. Palavra-ação. Objetos imóveis como pedras, conchas, as forças de areia movediça-escuras, um palácio, água pura, colunas imponentes, uma pirâmide, pinturas nas paredes que nomeamos quando perambulam no nosso sono, rebuliçam a consciência.

Porquê o verso livre, prevendo uma saúde emocional forte, é mais difícil de escrever do que a poesia calibrada, cadente. Se não há algum tipo de movimentação interna que justifique a rigidez, ele não poderá ser feito. Levanta-se lentamente, segue em direção à janela, abre as cortinas e a noite que poderia ser a mais estrelada de todas para coroar a emoção, e é apenas mais uma noite. Como tantas, sem dono. Desejava algo que torne cognoscível o caminho de algo fora do tempo. É uma forma de hipnotismo, auto imposto. Isto é apenas parcialmente o seu próprio fazer e as preferências são, se não houver escolha, de vivê-las a fundo e perceber que ama (no matter or what).

As ondas já não vêm como antes, e a produção do medo estancou. “Sinto que todos nós temos esses ‘neurónios-espelho’ em nosso cérebro que nos fazem tomar um pouco de humor das pessoas ao nosso redor.” Arde de vontade por um pouco de humor, por um pouco de persistência, alegria. Uma boa contrapartida se conseguir dormir …

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Eric Marrian

 

Tambores de passos

Talvez o incômodo seja o sentir que tudo o que você sabe está caindo aos pedaços. Manteve os pés no chão com alegria e quis se divertir o quanto pudesse enquanto viveria uma propagação de insights. Caminhava descalço pelo centro da cidade, pensando que a sujeira da rua iria ser absorvida pelos poros dos pés. Era indigesto o pensamento, mas ainda sim comovente. Só dá para agir depois que acontecer.

Para encarnar a sua presença, pensava nos ruídos que fazia quando chegava, as chaves abrindo a porta, a escala de tambores na escada. Pois você pode não perceber e acelerar além do devido, dizia, já que a carne é de difícil digestão. Esta pessoa franca era honesta, ardente, otimista naquela época, conseguia controlar a própria vida. E isso fazia sentido. Ajudo você a encontrar um amor sereno, é o que você mais quer neste momento, você precisa é de um pouco de sorte e terá um futuro brilhante e feliz, ajude com um trocado, o que você tiver aí… aquela cigana não largava a sua mão.

Enquanto lembrava do que sentia, sim, a casa é legal. Dá para uma árvore a vista da janela do quarto, um conforto quando namorava, ocasionalmente. Não recuse a mudança quando a mudança neste momento é vital – sentia o medo e sabia que iria fazê-la de qualquer maneira. Os resultados podem também ser adiados, no entanto, este é um momento para a ação positiva e não passividade. O cheiro do pequi nas ruas, sendo vendidos aos borbotões, enauseava, mesmo achando a cor deles a coisa márlinda do mundo. Tais como telefonemas inesperados, cartas surpresa, que liberam incertezas, a separação dos amigos provocada por um ato insensível e friamente calculado exauria as expectativas.

Senta-se no banco, carcomido, os pés já quase calçados pela crosta oleosa que se agarrou a eles pelo caminho. A criatividade e a discrição que se manifestam como coisa física dissipavam suas memórias, apoiadas visualmente pelo minúsculo lagarto aos seus pés.

Conflito por causa do conflito, é ainda assim.

 

 

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Erika Stone

Então você tem que me amar

Eu tenho o seu nome e seu número, você parece um pouco surpreso… Talvez seja porque eu posso ser, você sabe, frio como o gelo. Em situações de dias quentes sempre quero vir. E se eu ver você saindo, seguro-te antes que chegue à porta. Eu vou te dizer uma coisa, você é melhor que o inexato agreste. Eu vejo o futuro (eu ouço os mortos). Nele, eles tentarão matar o seu estilo, destruirão a sua forma e desacreditarão seus motivos. Eu vi a maneira que acontecerá, pois te atacarão onde tu é mais frágil. Atacarão tua honra, tua integridade e chegará a duvidar dos próprios pensamentos. Então decore meu número, é por isso que eu tenho um telefone. Me ligue depois que escurecer. Me ligue.

Posso fazer o sol levantar-se diariamente bem acima de seus desencantos de pintura de paisagem. Estarei na primeira fila mais tarde, quando sua pessoa torna-se uma persona. Penso que talvez possamos mudar este jogo para sempre, sair da mediocridade. Nossa respiração torna as formas etéreas no tempo frio. Eles podem dizer que somos os dois loucos… e eles estarão certos.

Estou feliz que eu encontrei você, velho. Não quero alguém dizendo ahn não-não “acabou-se o tempo”. Não vou desistir fácil, nós fomos feitos para cruzar a linha do horizonte. Não quero que as coisas que fazemos… Apenas quando precisar me chame. Pessoas o ouvem e sorriem. Provavelmente, naquele momento que disse aquilo, eu estava me divertindo com areia. Então, se você estiver se sentindo da mesma maneira, apenas me chame, entende? Durante muito tempo fui tímido no contato com outras pessoas, que eu me lembro. Só não pense sobre obras de arte como objetos, pense sobre eles como gatilhos para experiências. Você é atenta, e eu confiei no que a sua atenção se dirigia. Porque eu não sabia, mas eu queria saber.

Tentação pode ser tudo ao meu redor.

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Osma Harvilahti

 

 

 

 

Esta é a mensagem desta carta

(Um grande vento de otimismo vai soprar na sua vida em breve). Alguém escreveu que era um trabalho inédito, na verdade, estava em uma posição extremamente positiva quanto ao futuro, embora inédito não era. Mas também, colocado daquela forma, calma e rasante, recusando a exploração da energia explosiva e força vital, transferidos para o espaço da arte, era como acordar no meio da noite. No que dizia respeito à sua criatividade funcionava melhor. Seu estilo de vida vai evoluir no sentido de criar mais espaço para o silêncio, atividades de lazer e tempo para viver. Os próprios intervalos de verão, milagrosamente perfeitos, seriam em piqueniques com toalha xadrez vermelha. (Permitir que gerações distintas percorram as memórias de Pedro). Lembranças do mar que vão desde o calor de uma noite para dias ainda mais quentes e vaporosos – mais tipicamente esmagados em um corpo que apesar dos suores permanecia intacto. Na bagagem alguns bons sanduíches de presunto, guaraná e bananas. Estava com fome mas já estavam quase lá. Seria um registro de memórias, principalmente de outros povos (mesmo que imaginados) e, ocasionalmente, as suas próprias. Queria um vestido de fios de pérolas penduradas costurado ao corpo, literalmente.

De uma forma ou de outra, você irá estudar e irá aprender. Irá absorver o que os outros fizeram antes de ti (a sabedoria das pessoas mais velhas, dos seus pais e outras pessoas idosas). Uma fêmea às voltas com frescos, ainda que sangrando e inflamando punções na alma, presos sob a pele dos anéis, sugeria um consentimento eufórico. Sua vida vai se tornar mais estável e positiva em relação ao seu comportamento, vai ser dinâmico e não terá perturbações importantes, o que lhe dará liberdade para implementar seus planos a longo prazo.

Você não vai sentir qualquer necessidade especial de fugir, a vida real não é difícil pra você.

Areia, pés descalços, umidade, textura. Alegria dos lanches, alegria da companhia, alegria da vida. Alegria da língua, dos ventos e cheiros, é uma forma de retiro. Não podemos mais acreditar, mas as necessidades e anseios que nos fizeram compõem essas histórias de ir e voltar… Estamos sós, é violento. Ansiamos por beleza, sabedoria e propósito. Queremos viver para algo mais do que apenas nós mesmos.

É o lugar perto do coração.

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Ossos de vidro

Sem fio, sem feto, arco-íris de nada, constrói uma ponte de conselhos bons. Ele está obcecado por mapas de metrô. Compramos-lhe alguns para pendurar na sua parede, e enquanto tentamos respirar no quarto dele, ele vai estudá-los. Da natureza e dos potenciais ele os chama ‘desejo’, que deveriam ser livres, como se tudo o que gira em torno os permitisse ter da humanidade somente o possível. Ele sabia todas as paradas, e ela, ela… ela pensa que isso irá afetar nosso próximo minuto, nosso próximo gesto. Ela achava prudente seguir a intuição ao invés de mapas, corríamos assim o risco de modificar materiais físicos e torná-los mais flexíveis… Imagina isso! A manipulação da natureza em sua forma mais pura o espaço para o finito e concreto não poderia dar em boa coisa, dizia. E abraçar sensações de paz, ela é muito mais ansiosa que eu, ele de lá respondia. O modo como olho pras coisas é sereno, se existe algum problema importante o bastante que nos afeta… deve contornar um círculo com águas e os com anseios. Só então se estará pronto para lidarmos com ele. Por isso os mapas. Caminhos, concretude, roteiros, atalhos. Está tudo ali. De outro modo não há com o que preocupar-se. Seus ombros estão encolhidos, relaxe-os. Obedeci imediatamente, como uma intervenção cirúrgica e perfeita, que só necessitasse do meu consentimento para que efeito tivesse. Isso atingirá seus minutos seguintes, ela logo avisa. Então você precisa ficar sem roupas assim eu dançarei você inteira. Ele sabe todas as paradas para todos os trens. Ele gosta de perguntar a estranhos que ponto eles vão, para que ele possa dar-lhes conselhos, sussurra em algum ponto da casa.

Olho em volta pensando que haveria de ter cristais e incensos queimando em todos os lugares e um grande Buda em algum lugar. Ahn, sim.

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Faz bem sempre.

Com a idade de quase cinquenta anos, sentada à beira do oceano, ela mergulha seus poderes. As técnicas de cura evoluíram muito e agora perseguir o fantástico é até aceitável. De forma ocidental, a busca da síntese ainda que de forma pouco racional, poucas coisas querem dizer muitas. Os desejos são fortes e cheios de cor que dão suporte ao próprio poder do corpo. Sentia que de alguma forma um evento irá ocorrer que lhe dará a oportunidade de fazer exatamente isso, utilizar o corpo todo, assim como as pontas dos dedos. É aí que reside toda a graça: trazê-los para o contraditório lugar da realidade. De poderosos, os delírios necessários à nossa mente estão trabalhando em torno do relógio biológico a fim de manter a vitalidade. A impressão que fica é a de que ela vive uma rotina tranquila, serena embora ela diga, em meio àquele cheiro que entorpece de café com biscoitos, que não tinha mais energia para manter suas emoções em versões ampliadas:  grandes espantos, grande solidão, grandes inibições, grandes instabilidades… tinha se aquietado. Nós todos perdemos alguma da nossa fé sob a opressão do convívio, amores, crueldades patológicas da vida diária. Isso devem ser desconstruídos, disse. Sabe aquilo que a Madame Ono dizia? Um sonho que se sonha sozinho… pois é. Sempre a achei bonita, embora nunca gostei de como ela grita. Coloque duas vírgulas aí, menina. 

Saí dali comovida, com a sensação que tinha tomado o melhor café da minha vida.

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Uma boa vontade em dias delicados

Apesar de ter sido um dos primeiros a serem abertos, aquele pacote pedia mais calma, nem sempre é fácil ganhar e receber. A força é outra coisa, né, e vem de tantos cantos…

Neste mundo, falava sobre os talentos do espírito ali, naquele botequim. Saiba quando desistir, diziam ali do lado com entusiamo. Era um desgaste imperfeito da vitalidade – desgaste pelo desgaste, não levaria a algum lugar. Até bem fora dele, de algum lugar que se esteja, é possível se pensar no que possa ser considerado como bom, gostoso ou para sempre. Uma das formas de arte é o amor, a libido em metáforas poéticas. Sem um período de prejuízos sociais, por motivos absolutamente fúteis, da necessidade de atenção a ter que evitar dizer o que se pensa, seguia na nuvem.

Aí já foram algumas doses de conhaque. Quis cerveja gelada, bem gelada, porque já era outra depois daquelas doses. E a cada dose pensava que sua força diminuía e só o que queria era se render. Uma moela e fazer rabiscos de palavras no guardanapo almejando permitir-se situações e encontros que lhe proporcionem felicidade. Após tantas coisas, passar por uma fase de satisfação seria lindo! Estimule tudo o que lhe parecer satisfatório, dizia seu horóscopo (sic), e quis tomar aquele conselho como verdade, principalmente no que diz respeito à satisfação dos sentidos: entorpecer a pele, com arrepios nos sussurros, paladar apurado, queria lamber! Lamber, lambidas, língua, gosto, saliva, suor. Cheiro, queria que cheirassem seu cangote, chamego, aperto na cintura, queria apertar bunda, mãos nas pernas, risos frouxos, cerveja gelada, e aquela inigualável sensação de completude quando se encontra com a lua cheia.

Respira fundo, respira azul. Quase sorri. Dizem que épocas assim têm ligações com os pedidos do que você estará emocionalmente dependente, em breve. Agora, até a planta do pé, ou principalmente ela, a faria entorpecer.

Para conhecer os outros.

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Chantal Anderson

 

Paredes íntimas

Sentia que teria a responsabilidade de cuidar. Acariciar e confortar, talvez até acreditar. Enquanto a luz entra pelas janelas, outros mundos atiçam e o máximo de abertura do basculante, que a bem dizer é mínimo e sugere uma amplitude solar inesquecível. Mãos apertadas, nervoso no gesto habitual de torcer os dedos buscando uma versão de si com maior solidez.

Tivera muitos acidentes em carros, era já pra ter desistido desse meio de transporte – um desafio para seu auto controle. Um tempo finito no infinito de sua vontade. E que nenhum olhar desconhecido fora registrado naquele dia, mirando sua lente aleatoriamente a estabelecer qualquer contato.

A chuva pedia calma, os freios desistiram, o escorregar era lúdico, bom refino de ideias nas escolhas. Mais que apenas um sistema motor era preciso mesmo se concretizar na afeição. Filosofia desafiadora dos  retratos feitos de seu telefone para levar adiante o nosso projeto.

As pessoas se reconheceram nos objetos do quarto assim que entraram. Poucos quadros, alguns desenhos, cama desfeita. Quase gostariam de passar ali alguns dias, percebia-se. Sua adorável função. Será que a questão se resume a não ensaiados da vida? São mais bonitos os acasos quando o poder único da ação e da respiração entre as palavras resvala na vida. Em suas tarefas rotineiras desistiu de esperar.

Coisas no lugar, arejados nas gavetas, saudades em sacolas. Era boa hora aquela. E queria agir de acordo com ela.

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Propósito na vida

De acordo com a família, ele foi visto pela última vez em Três Passos. Mas não estava lá e não havia chegado nos dias anteriores. As primeiras lembranças que tinha da infância eram de tentar acordá-lo sem conseguir, ele também não cooperava. Não era um jogo, mas era como se fosse. Agiam como se estivessem blefando, escondendo as cartas e os amores. Tentavam ser impassíveis. Supostamente não havia como reagir pois não era possível reconhecer uma pessoa que estaria  em vias de combate, arisca. Acabaram por se fechar as portas e reconhecerem o estado frágil  do excesso que desejamos. Lembrava dos chinelos com pregos, frases intuitivas, recompensadoras e sensíveis.

Se esquecera dos seus próprios limites, levantou e saiu. Desistiu da procura. Sem as múltiplas invenções da tecnologia, sem ser notado, de mãos dadas com os pensamentos. Pensava no domínio sobre os versos, coisas e pessoas. Mas havia limites, era o ano da realização pessoal então. Domingo atrapalhado esse.

Sentiu-se mais eufórico, a desistência alivia a tensão, os ombros caem, o sorriso acontece. Era tudo sobre gaiolas – as que a gente vive porque nasceu, porque escolheu.

Porque nem sabe. Pensa em pintar de branco sua sala e pendurar coisas no teto.

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Christina Malman, Woman Trying on a Fur Coat, 1939

 

Ainda não viu nada, mas imaginou um tanto.

A vontade de uma relação positiva da sua alma com o seu corpo, elevou o tipo de composição que a moveu e a fez chegar até aqui, tomando muitos riscos. (E eles não mostram sinais de abrandamento). Os céus favorecem a pensar na inutilidade do sofrimento, enquanto a mente branca fecunda de consciência, da personalidade e do astral pessoal. Caminha em curvas, (pensa em curas) não em linhas. Sente vertigens, como se estivesse ébria. Porque seus sentimentos estão ligados a coisas que são, por natureza, mutáveis. Sobre os detalhes de sua própria vida, terminar a caminhada e sentir-se completamente renovada, sentia-se desajeitada ainda nisso. Os discos no porta malas do carro podem derreter nesse calor, fugiria dos seus propósitos. Choques térmicos estouram lanternas, desanimam o pensamento. Tenta se levar a sério enquanto procura por cigarros naquele centro da cidade em um domingo à tarde. Óculos grandes ajudam a não ouvir gracinhas sobre suas pernas, sobre seu caminhar, conseguia com um adereço se isolar do mundo, e se deslocava daquela realidade. A alma suada logo a arrastou para o mundo visível. Tenta não perder de vista o fim, esquecendo-se dos meios olhando pra si mesma como um veículo, movido a energia solar, a fim de se manifestar.

 

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Filtro, campo, querência, lugar amado.

Talvez consiga predizer escolhas, campos, querências. Não são a mesma coisa, podem dizer do futuro, mas não do mesmo futuro. O clique ficou um pouco abaixo das cartas, aí procura-se a mais próxima, esses percalços que só os que ainda usam mouse óptico sabem, nada dá muito certo. Mas se crê ainda no resultado disso, da aleatoriedade do acaso, que é um começo, não o tudo (como dizem que preenche), mas com a verdade da proximidade. Cada um encontra sentido naquilo que mais lhe é caro. Mas por quais cargas dágua isso deveria ser considerado algo de bom? Algo de produtivo? Um e-mail convida para a profundidade, o que se encontra então? As pessoas são sobre pessoas não sobre cães, ou crianças. Quando vira amizade então? Pra ela aquilo de amizade era muito maior que o amor, muito maior. Foi um dia assim correspondida, como se a obrigatoriedade do amor, do namoro, não se fizesse necessária mais, mas aquilo que sentimos pelos amigos. Isso sim beira a eternidade, pensava. Mas ali nesse ponto mais lindo, mais raro, não era ali encontrada. Não é sobre meditar, sentar, esperar, silenciar. É sobre fazer algo para que aquilo perdure mais do que o tempo do amor/amado. Em profundidade. Era o desejo. Mas pouco e poucas vezes viu isso, afinal, palpitações, suspiros suspensos não combinam com paixão, onde estariam então? Ali, na alegria do prazer do outro, na satisfação de sentir-se presente mesmo que em distância, pois que o amor estava pra além do estou livre, ou do fiz minha parte, pena que… Lavo minhas mãos e que o tempo se resolva, lamento. O amor amizade está, e permanece, no olhar amoroso do outro, quando diz, sim, você vacilou. Não são lamentações, são conquistas, é ouvir no silêncio as palpitações daquele que você conhece profundamente de alguma forma. A recusa disso, a recusa de ouvir o que fizemos de não-tão-bom, não é nada, de nada serve. Ria! Está na alegria de estar perto, no matter or what.

O prazer de estar junto na distância é infinito. É conquistado com muitas brigas, mas com uma certezinha, lá no fundo, de não afastamento. Porque nos iludimos nessa busca. Nos iludimos no sexo. Vez ou outra acertamos na querência de pessoas perto, presentes, nos puxões de orelha, naquilo que de alguma forma nos impele para sermos além do que somos. Sermos além do comum. Além disso tudo que é pequeno e disforme, e sem compaixão. (Muitas vezes me pergunto, se as pessoas que mais tenho apreço, sabem o que é de fato, sentem, agem de fato, com compaixão). Tomar socos no estômago virou rotina, naquele tempo. Toda vez era aquilo. Era a alegria do reencontro? E a certeza de que ser o que se é seria perene? A verdade que nas relações o ser-o-que-se-é guardava um grande e belo chute no balde, aquele balde que sustentava as pessoas na forca, sabe? Aquele chute que era a sua própria sub-libertação e ao mesmo tempo a condenação do sofrimento do outro. Isso lá era algo que devia valer a pena? Sim, se a pessoa soubesse disso, mas como saber sem compaixão? Há, diziam. O mundo dá voltas, deixe tudo para trás, e siga. Como seguir sem as mãos que nos auxiliam? Milhares de milhas distante estava, mesmo quando se está apenas longe. (Resolução de ano novo: atravessar por além mares e pousar no outono de outro ano pra sentir prazeres de amizade por alguns dias –  em família). Brindemos por mundos em que abraços sejam verdade.

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John Batho, from series Parasols

 

Balas nos bolsos

Vamos parando aí, vamos parada. Eu? Agora! Eu? Está indo pra onde? Não é daqui? De onde é? Os pensamentos voaram, a imaginação flutua procurando resposta; Aviso! Proteção expirada hoje. Logo quis responder, moço, só estou tentando encontrar o passo da vida, só estou tentando encontrar o frescor. Moço, você, ops, o senhor, seu puliça, pode me ajudar nisso? A senhora, madame, me diz logo, sem virar os olhos, está indo pra onde? Mas pra que raios de filosofia agora, jesus, posso abaixar as mãos? Posso abaixar a guarda? Posso largar as pedras que trago aqui comigo? Senhora, a pergunta é simples e direta, a senhora está se encaminhando pra onde? Estou indo ali, logo ali, um cigarro, uma cerveja, algumas balas. Desculpe ó moço, não tenho documentos agora, vim de muito perto, umas balas tenho no bolso, o senhor deve saber, pro caso da glicose… Senhora, quem lhe perguntou sobre glicose, senhora? O senhor deve de saber, que a gente num tem pra onde ir. No fundo, a gente é perdido, não falo de mim, senhor, falo de todos nós, as pessoas tem preferências meio peculiares sobre a minha pessoa, quer dizer, sobre todos de todos, o senhor me entende? O que traz aí? (mãos que nem sinto tocam meus bolsos perto da virilha, nádegas, coxas. Ainda bem que eram poucos bolsos, penso. Mas invadem minha pele, invadem o que sou). Balas, mentos coloridos, uns cigarros, e uns dinheiros. Ele retira tudo, me devolve as balas. Posso pegar? Pegar o quê? O que está querendo? Hein? Os cigarros espalhados, as balas talvez. Só isso que quero.

Amém a todos.

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Cheiro de limpo

Teria sido melhor se não tivesse perguntado nada, a resposta foi mais um ‘ela deve ser meio burrinha’. Perambula pelos pensamentos e resolve-se, mais uma vez, pela assertividade. Sabe que alguns desconfortos são bem rápidos o que lhe possibilita o cair em si. Consentir pelo consentir. Pensa no profundo, pensa no mar, enquanto ouve relatos minuciosos dos intestinos alheios, ou… entender por completo não é simples. Era assim mesmo: cristalizador, limitador, restritor, contentor e dificultador. Todos os dias as pessoas ao seu redor fazem coisas boas e buscam evitar coisas ruins. Expor fraquezas e vulnerabilidades exigem uma concentração fundamental para que se evite a retenção de forças, o que funciona sem adornos. É assim, dizia a prima dela, imagina sem querer. Ela já achava que as pessoas só mudam se for vantagem, alguma, algum respiro, alguma alegria, alguma melhora, ao contrário a permanência sempre prevalecerá. Uma confusão na expressão de afeto. Esperando uma narrativa linear à noite desapareceu a canção e, despertares em uma caminhada ininterrupta, oferecem uma variedade sonora inigualável. Cada um vai desenvolvendo sua forma de viver. Outro shot. Alguém lhe sorri (é só sorrir de volta, lembra).

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A incerteza é o lugar onde as coisas acontecem

A coisa surpreendente é que, apesar de tudo… o espírito nosso de cada dia ainda consegue sobreviver para ficar forte. Que apesar de tudo, sentir ainda é melhor que anestesiar. Às vezes, penso que acabo por me dividir pequenas partes e lançando-as às pessoas que conheço, sinto-me menos só. O que mais gosto e admiro em você é essa delicada mistura de algo requintado, perfeito, pensado, cuidado com a alegria de uma gargalhada das bobeiras da vida. Eu entendo que às vezes a forma como eu não falo são meio estranhas mesmo. E acabou que um dia não te reconheci mais. Talvez também tenha sido desconhecida naquele dia. Alguns lugares de alma minha que eu gostaria de dividir nunca são divididos, talvez nunca serão. Tome os chazinhos todos, sim? As fotografias eram feitas assim, veja bem, com a calma e a imprevisibilidade da espera, com surpresa. Tirava muitas naquele tempo, naqueles dias. E algumas tinham queimado, porque o rebobinador da câmera estava meio enguiçado. É que não aprendemos as pessoas o suficiente, não alcançamos os motivos das pessoas o suficiente, mas é fato que sempre irão embora, é o normal, vida dura essa. Mas que é difícil acostumar com o normal é. E quando penso que tudo se acalmou por aqui, vem mais tempestades (a vida é dura mesmo, repete). O simples fato de doar e irradiar afeto lhe será suficiente para a cura, para perceber que é a alegria que brota quando percebemos tudo o que somos. Coisas pequenas ficam intransponíveis, é o processo da vida. Aguenta, é isso aí mesmo o viver (como disse aquele moço da televisão). Está tudo bem por aí? Não, não está. Provavelmente, não seja percebido o tanto que os espaços foram abertos e conquistados, ou o tanto que tudo estava ali arrumado para você.

O silêncio é não-mágoa agora. Talvez nunca mais, talvez nunca mais me abra o tanto que me abri. Porque a vida é dura e somos solidão e silêncio e isolamento e apenas querência. Queria me atrever a perturbar seu universo, mas não mais. Não mais. Porque não se incomoda universos paralelos, porque não se incomoda. Porque os buracos quânticos não voltam no tempo, porque, no fundo, não havia vontade de passar pelas durezas da vida. Pelo menos não aqui.

Queria tanto um abraço seu agora. Queria tanto poesia. O que não se tem é um alguém para confessar alguns furacões.

04:28 você: Cê é igual eu, amor.
  ❤
11:38 eu: Acho que sim.
  ❤
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Uma forma de auto-sedução

E esse sorriso encantador, menina! Seguiu pela avenida em direção a nem lembrava mais onde, entramos em um automático, não é? Nesse tormento pelo que poderia ser, pelo futuro. Não tem nada a ver com o que você está esperando. Rádio, notícias, mais aflição. Um dia se afoga todo mundo. Centenas de anos depois e o quando e o quanto ainda permanecem fora do nosso alcance. Não sobre a leitura, escrita, mapas, política e aritmética… mas sobre a emoção, ou o que chamam de afeto, as relações cotidianas, amizades vigilantes… Uma história absorvente de pesquisa do amor, ao mesmo tempo que revela o quão longe vivemos da compreensão real, desloca-o para o sono profundo inicial.

Um pouco despertos os que não estão totalmente recuperados de mais uma dura noite são incapazes de explicar o que estão enfrentando. Essa era a forma que se reagia quando as coisas saíam do controle – amar quem quer que esteja por perto para ser amado. Os sonhos não são sem sentido, com uma costumeira defasagem que dá continuidade a nossa conduta e a nós um sentido coerente de quem somos. Direita, terceira à esquerda, procurar uma vaga –  já que a costumeira fora ocupada – já até a chamava de sua. Respira fundo como se isso fosse um prenúncio de um longo e doloroso dia… O sono é um tempo ocupado. O que é o amor senão a aceitação profunda do outro, o que ele é?

Desliga o motor, freio de mão, ponto morto. Ponto morto, ri dos seus próprios pensamentos.

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Vivian Maier

 

 

 

Há um agora-ou-nunca estado de espírito

Uma experiência específica. Provavelmente foi só isso, sem nenhuma maldade. Desta vez, eu gostaria de economizar tempo, a saúde, a fertilidade, a certeza de que um dia você vai ler Ulisses e saber cozinhar panquecas. Ainda temos tempo para um segundo ato, é que só agora estão sendo surpreendidas com os fenômenos estelares – ciclo ascendente. Mas bem que seria melhor não se mexer neles. De dentro do carro percebe que os motivos das outras pessoas são finalmente revelados. Todo mundo está absorto, alguns apenas o são com mais confiança. Sobre esta multidão que mora dentro de mim, quero falar de todas elas. Principalmente a que procura identidade porque como a busca do seu verdadeiro querer é falsa, como procuro aquilo que não está lá, eu não podia usar a linguagem comum – sobre a presença de palco. A linguagem enquanto edifício já sendo construído. Eu tinha que inventar um bocadinho esse caminho. E por isso a busca pela palavra nova, pela reinvenção. Mulheres e bruxas já foram sinônimas um dia…

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Ciclos vitais

Porque eu tenho que me curar? Você tem uma resposta para esse nosso argumento, pra esse abordar da questão? A natureza somente permite uma mudança muito lenta. Se alguém pergunta eu respondo uma bateria de questionários e duas tarefas informatizadas. Se abrir, por exemplo, para leituras intensivas, para fluxo de desejos, a água corre. Nem sempre estão nas principais manchetes dos jornais, muito menos cai das nuvens. As certezas nos escapam, os amores permanecem. Como se pode resistir a eles? Sem dúvida, aquela mulher não é normal. Uma alegria tola, resiste. Cedendo ou resistindo, ela não tinha saída. Porque o aperto aperta tanto que as lágrimas insistem em não cair, aglutinar as vontades em relação ao mundo ao redor. As escolhas seriam de excelência onírica naquele momento. Sonha com flocos de neve, não importa o destino, o pecado maior. Com medo de que nossa luz interior seja extinta ou a nossa escuridão interior exposta podemos esconder nossa verdadeira identidade um do outro. Aos sabores de como acontecem nos romances, novelas, ensaios, filmes. Acaba por sugerir um excesso de sensibilidade por qualquer coisa.

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Kansuke Yamamoto