Dawn-twilight

Lá vai o alarme. Boca seca. Corre até a cozinha, vento frio. Um copo d’água, pequeno. Dois. Vento no corpo nu, ousadia. Eu estou focada agora, sei o que está acontecendo nos meus pensamentos, sim. Pouco sono, muita pele. A luz de manhãzinha, brilhante em cima das unhas mal cortadas, mesmo com alguns venenos que estão na circulação (ainda). Lentamente. Gosto de infância. Alegria do café. Mais do que se já se viu, mais do que poderia. Sentido da resistência da carne. Essa lentidão é seu charme, uma sobrevida pra épocas de muitas cobranças. Exigência de doçura no agir. Foda-se, eu preciso de um pouco mais de espaço-luz para respirar.

Sabe que pode agora andar leve nas pontas dos pés, mas dá pequenos saltos para aquecer-se. As chaves estão na bolsa, soltas e misturadas com toda espécie de quinquilharias, impossibilitadas de agirem. Ali naquela bagunça existem grandes verdades e uma delas é que às vezes o medo nos paralisa.  E a auto sobrevivência nos move. Algumas mentiras boas de se ouvir e vem o diabo, dançando e se exibindo ao redor e logo cedo deseja um uísque para cada fantasma.

Ela requebra-se e respira, e isso te rasga
Ela morde e sangra em secura
E este deserto se transforma em oceano sobre…

Coisa de tola que não quer mais alimentar esse deserto,  que a tudo insiste queimar de dentro pra fora. Vê e acredita na extremidade quase inoperante do amanhecer, um pouco de cura. Aqueles que tendem a ser aborrecidos, pesados ​​e pré-ocupados com coisas de poder, qualquer poder, estão impacientes. Pouca compreensão intelectual mesmo de assuntos que os concernem mais de perto.

Sente uma leveza que trisca suas bochechas e sente que é devido ao instinto, à imitação da natureza. Faltou iniciativa em muitos momentos. Seu fogo é o fogo queimando do processo de crescimento.

Pensa em não faltar mais. Pensa em caminhos novos.

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Pode ser algo que esteja chegando ao fim

Ela é desconhecida e suas notícias são estranhas. Eu não tinha nenhuma razão para supor que não seria assim novamente. A mulher imaginada parece que sabe todas as respostas. De onde você deixa suas chaves até a varanda são doze passos. Ao alcance da mão estará o armário com a xícara. Mais adiante o bule, acender a trempe. O pó forte já cheira ao abrir a lata. Queria ter seu pique pra trabalhar e transformar momentos difíceis em alavancas – disse.

Muitas vezes, o que ela não diz, diz tudo. Seu olhar pode condenar. Gosta de estar no comando e no controle de sua vida e seu ambiente. É rígida em ternos de negócios ou um uniforme qualquer e tem uma disciplina de manter as aparências, por pura sobrevivência. E não liga se suas botas estão polidas bem. As coisas ainda não atingiram a fruição. 

Ela parece serena com o café pronto. Olhos escuros e hipnóticos, dizem que sorri por eles. Toda a sua presença é de pé no chão e ser feliz antes das seis da manhã. E adornos. Ela usa não usa um elaborado penteado, nem uma elaborada maneira de agir. A cabeça e seu foco inteiro é dedicado ao copo que ela está segurando, só pra não se perder. Há três copos cheios de líquidos em primeiro plano, lembra da cena. Ela usa vestido e meias, e imagina um spray de plumas saindo do corpo.  Estas mudanças podem ser irrevogáveis e podem fechar a porta em sua vida velha para dar lugar a uma transição total em uma nova maneira de viver. 

Falha porque as expectativas são muito altas. Uma falta de força ou coragem para fazer o que deve ser feito. (Suspiro). As mudanças precisam vir à galope, dessa maneira não é possível ser feliz depois do café. Pensar na morte indica frequentemente que algum elemento desgastado de suas maneiras nessa vida necessitam ser perfurados, um a um, uma vontade de regeneração e o desejo de um futuro mais brilhante, mais em paz. Superar a atualidade. Mas a redenção não é tão facilmente conquistada pelas mulheres.

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Uma vontade de disponibilidade

A esperança é a de se conectar com o outro através da linguagem. Pode-se dizer  muito sobre como as pessoas podem ser completamente estreitas de espírito, particularmente quando se trata de comportamento extremamente ruim levando à violência ou a repressão dos outros. O comportamento choca, assusta. É realmente uma constante conviver com esses tipos de personagens, na verdade.

Se alguém é perseguido ou reprimido ou envelhecido, de qualquer maneira, mostra uma história da forma como nos relacionamos uns com os outros. Sempre absurda e de forma mais extrema, incômoda. Talvez uma compreensão de um grande medo de ser impotente. Eu me permito escolher as coisas que sinto como certas para mim no momento. Um jogo com um monte de gente horrível e maldosa e tenho certeza que, algumas delas, se observam algo realmente ruim pensam que tudo aquilo é uma possibilidade.

A poesia permite uma espécie de acesso central à vida interior… Você entra no mundo interior de outra pessoa. Você sente-se frequentemente só nessa vida?

Nós desejamos a estranheza dos outros. A unidade para se conectar  através da linguagem é forte. A vida é solitária e a palavra – por causa do íntimo tipo de conexão que ela permite – fornece um pouco de descanso.

Os mortos quietos nas ruas do bairro no meio da noite, só os cães. E eu nunca poderia viver até o clima perfeito. Talvez as coisas não estejam completamente como você esperava por algum motivo – este é um período negro, em que as relações mais íntimas estão sujas, apodrecidas, cheias de fantasmas e qualquer escolha que se faça pode ter uma resposta descuidada. Distribuem-se desafetos e maus tratos. Um clima cinzento  perfeito para esmagamento de todos, do que eles sentem. O ritmo frenético aqui me convém.

Uma sobrevida se salvar pelo menos uma hora por dia para poemas… primeira coisa na manhã antes que o dia se torne. É bom escrever, em seguida, cercado por música e bons livros, e com uma xícara de café forte na mão. À medida que o dia passa, fica cada vez mais difícil prestar atenção a qualquer coisa. Não desligar durante a noite para que eu possa estar presente para as pessoas que mais importam para mim, grande parte do trabalho ocorre no cotidiano e na rotina e considero os prazeres e complexidades da vida doméstica uma esperança de aumentar a imensa estranheza dessas experiências.

Que experiências você quer dizer exatamente?

Eu fui surpreendida por como a essência de uma pessoa é visível no primeiro vislumbre.

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1.3 (para se aquecer)

Garcia lhe mostrara algumas saídas para esse estado. Sentia nele uma pessoa que pudera confiar seus desequilíbrios e suas angústias sem temor. Ele a incentivara naquela sua empreitada de confronto e isso lhe dava forças. Respirava melhor ao lembrar das conversas que tinham, e ter seu número sempre à mão lhe emprestava coragem. Falava sobre bagunça, sempre a bagunça, como um código. Ensinou-lhe o desejo de escrever, naquele exercício diário de descrever seu cotidiano. A ansiedade diminuíra com esse hábito adquirido (tinha um pequeno boneco em forma de peixinho que ganhara de presente fazia muito tempo) e somado a outros pequenos fóruns prosseguia. Considerava-se quase completamente liberta. Faltava pouco. Com a sua ajuda, assim que começou a enxergar a mágoa, a vida começou a fluir.

Procura algo para comer, primeiro sinal de que a crise foi controlada (não demorou mais que dois minutos). Encontra granola, leite, pêra. Precisa de sal, sente a pressão baixa, resolve por fazer uma massa. Já foi ótima nisso, fazer coisas de comer rápidas e com delícias. Faz tempo que perdeu o gosto por essa alquimia, e se rende ao básico do básico. Está ótimo e de bom tamanho. Quando não se tolera a incerteza e os papéis dourados já não são suficientes, enternece. Sabe que se render é um pouco de felicidade. Deixa o prato, copo e panelas para lavar depois naquele exercício de ‘deixar um pouco as coisas’ e se decide por uma taça de vinho. Amanhã, amanhã será um dia com muitos afazeres – tem sua lista: sacolão (batata baroa, abóbora, cebola, pimentão, tomate cereja, alho e maçã), banco (pode ser resolvido até sexta, mas quanto antes melhor), procurar telefone de um eletricista, supermercado (açúcar, leite, vinho, pão integral). Tranquilo, nada muito difícil. Se ocupar das suas próprias questões tem sido uma construção do seu próprio espaço. Morava sozinha e assim provavelmente permaneceria. Questões práticas eram tratadas com critério para uma boa sobrevivência.

Desde menina sonhara criar condições de um pequeno mundo em que pudesse desenvolver as suas próprias regras e limites, um lugar onde pudesse ter ar e de ser muito capaz de viver para si mesma – de construir seu próprio tempo. Claro que quando menina não imaginaria a dificuldade que o morar sozinha acarretava. Solidão, abandono, medo, angústia. Senta-se no computador, lê emails, classifica-os com estrelinhas (os mais importantes) e fica pulando entre o facebook e alguns blogs que acompanha. Quase quatro horas depois já adormece com facilidade.

 

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A sobrevida e os cães

A primeira vez que eu fugi ouvi vozes no mar, vi guerreiros no trem pegando tigres pela cauda. A primeira vez que fugi, vivi como se fosse uma estranha. Com sorte eles podem  falar com você como se falassem com uma criança. Abraçar um pequeno poder divinatório. Ela refere-se a pequenos prazeres da vida: você vai me deixar mostrar para onde correr? 

O desconhecido e o horror da existência (às vezes) – que nos acomete nas antemanhãs –  sobre o ser, reconhecer e satisfazer a natureza devaneante da existência se agarram em sua pele. Mas o cheiro do café nunca poderá mitificar e oferecer respostas.  Nem ler respostas no latido dos cães na madrugada, doídos latidos. Talvez se não as procurar ali, se aperceba que na verdade não existem respostas. Pode-se querer logo eliminar as dúvidas, encontrar saídas. Lá onde não inventamos uma maneira de fazer um mundo artificial ao nosso redor construindo conjuntos ou inventando-os digitalmente, possamos simplesmente ver gente.

Encontra-se paz em um cigarrinho na janela às cinco da manhã, cada trago é uma extensão de si mesma. Dê a ela o tempo de 3 ou 4 dias de sono bom e justo para que ela possa voltar para a realidade. Às vezes ela está dentro da sua casa e nem se apercebe porque o estado de espírito que dá aos que fazem o café e o pão é de viagem e observância. Talentos.

E os cães respondem que sim.

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Sua efêmera vida foi infeliz apenas moderadamente

Brevemente: Uma quantidade de tensão interna que precisa encontrar uma saída.

Empatizar com a necessidade do outro. Mais fácil vai ficando. Eu me apodero dos meus sentimentos. Pedido. Pequenos potenciais de competências, de desenvolvimento. A golpes de caneta e cassetete, o feminino era associado à errância e instabilidade. Faz-se violência na política quando se demoniza a oposição e ignora as necessidades humanas urgentes. Um pavor: decisões politicamente convenientes.

Admiro seu fogo e sua empatia e o retorno consistente para o trabalho. Eu tenho meu telefone comigo, fotografo ideias- photonotes. Não tenho um pequeno bloco de notas: é como na meditação onde não existem pensamentos errados, apenas são. Então eu volto para casa e quero escrever, aquela aversão física por perder tempo.

Reconhecer a auto-dúvida como tal. Ferver de raiva, berrar, dar pra maldição, ira e arrancar os cabelos. (Mas não tente fazê-lo publicamente. E certamente não online.) Mexa-se! Sair e dar um passeio várias vezes ao dia, regra. O movimento do ar contra suas bochechas. Ai, sentir impulso para a frente.

Pare de pensar por um instante: basta parar. Incluindo a arrogância.

 

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1.2 (para se aquecer)

Chega em casa exausta, existencialmente exausta. Via que ninguém estaria a seu lado e o que se passava por dentro escorria pelos poros. Até há bem pouco tempo a perspectiva de um castigo moderado, satisfazia. Sobre a natureza da autoria dos, por assim dizer, crimes. Hiato entre o potencial de um gesto. Talvez sinta-se impaciente e acredite que é aí que as possibilidades aumentam.

Parecia ser uma prioridade do tempo, das solidões, do retiro, da exclusão, essa luta diária contra tudo aquilo que esmaga, asfixia. A volta pra casa era sempre um alívio e um grande contentamento. Ali, nos dois últimos anos, conseguira imprimir sua marca, o que a fazia sentir-se totalmente à vontade. Tornara seu lar. Deseja um futuro mais próspero e relaciona o onde mora com sua própria vida. Menos coisas equivaleria a menos preocupações e mais espaço, o que na prática era um caminho gradual, já que isso se relacionava diretamente com um estado mais primitivo da sua mente. Isso também resolveria depois, hoje ela conquistou a liberdade de percorrer a paciência (reduzir aquilo que não é tão necessário quanto imaginava).

Subia os degraus, tirava os sapatos ali mesmo no final da escada, não tinha descanso em relação aos obstáculos existentes que minavam sua força de vontade. O esforço era legítimo. Agora faria um café, um cigarrinho talvez, e queria desistir da tensão no corpo. A frase não saía do seu pensamento, já que de um tempo pra cá assumira sua condição de violentada. Aceita que dói menos – nessa lógica que acreditava seguir os rumos da sua vida. Agora estava decidida a ter o encontro, que fosse… que fosse…

Era já a terceira vez que se detinha na frente dos escombros, perdida tanto nos detalhes e nas sincronizações máximas, vendo sentidos ocultos que geravam uma tensão corporal extrema. Sua garganta doía, o maxilar, a posição da língua na boca, as articulações. Movimentar ficava difícil e era a hora de respirar e relaxar os músculos. Ideias exageradas sobre organização, simetria, perfeição já tinham ficado para trás. Costumava ser tão leve, encarava a desordem com tranquilidade. Isso mudou como fruto disso. Agora ainda não. O que falta no meu corpo é somente resíduo da experiência desse mundo, e algumas palavras têm um peso enorme quando pronunciadas – peso de carne viva. É o equilíbrio da evidência e do lirismo. Costumava passar horas em agonia, paralisada em alguma esquina. Isso tinha ficado para trás; pelo menos em parte. Assumir o desejo do controle e aceitar que não o tem. Tão banal. Tão sutil mas capaz de precipitar taquicardias. Tranquilizar-se em relação aos perigos acabou por aprender com meditação e técnicas de respiração. Sentia-se forte o suficiente para controlar-se. Sabia que as contradições eram importantes e nunca estiveram tão em cores vivas como nos últimos dois anos. As contradições eram fúcsia, sublinhadas em amarelo limão berrante. Inescapável o incômodo.

Anda pela casa com pressa, cumprindo pequenos ritos, hábitos; a chave no lugar, a bolsa na cadeira, lavar as mãos, entrar na cozinha e tomar água mesmo sem sede. Nada demais até aqui. Sente suas articulações doerem tanto, percebe seus ombros de repente tensos e encolhidos, olha as juntas inchadas das mãos. Não consegue alcançar o motivo daquela rigidez, respira diafragmamente, e consegue aliviar. Algumas más escolhas a tiraram da sua vida, aquela que seria se não tivesse sido tão cruel consigo mesma. Mas isso, embora fosse doloroso, era desimportante, conseguira perceber que não valia a pena essa roda viva de pensamento aflitivos. Sentir que fazia parte de um grupo de oprimidos era uma forma de socialização, solitária encontrara seu nicho. Se as ideologias tornavam as pessoas classificáveis, o crime de forma inconsciente fazia isso também. Ser vítima era doloroso, mas de alguma forma, era um conforto.

Lutava contra tais sentimentos, e o tempo circundava criando um vazio e seus pequenos e inofensivos hábitos abriam caminho para finitude, e o cotidiano tornara mais suportável. Era uma suportabiliade ilusória, pois sabia que os hábitos eram uma prisão. Fez seu café, sim, resolveu-se pelo cigarro, e olha em volta, analisando todos os objetos da casa enquanto fazia anotações mentais do que precisaria ser feito. Ajustar o quadro na parede, trocar o forro da mesa, desembolar o fio da fonte do computador, limpar a gaveta onde guardava as receitas (quase todas da sua mãe, um bem-querer. Um dia faria muitos daqueles pratos). Não aceitar perdão por aquilo que lhe tornava conservadora. Mas ainda assim a meta era ser libertária. Uma acidez, sensação de sufocamento, budistas falam de veneno mental. O café não ficou como queria, foi aquela pequena porção a mais de pó. Tudo bem, assim ficou ótimo também. Hoje já nem sabia o que era aquilo que sentira. A lembrança sempre vinha acompanhada de um aperto no peito, procura impulsos ajudantes. Começar em algum lugar, fora da superfície. Que aflitivo! Tinha a perfeita noção de que nada, absolutamente nada de anormal aconteceria se nem tudo fosse cumprido. Tratava-se de algo inofensivo. Imaginava que o caminho da cura fosse o enfrentamento dessa ilusão. Experimentava, testava o cotidiano. Já esteve a passar todos os dias pelo mesmo relógio que marcava exatamente a mesma hora 7:46. Chegou a conseguir isso por muitos dias consecutivos.

Quase se acostumara com a sensação de vertigem e falta de ar. Não segura a torrente de lágrimas. Reivindica seu direito a chorar e a se sentir o tão vítima quanto quisesse. Parentes por parte do infinito, dos crimes. Não gostava desse terreno (o da vítima) mas era uma emergência. De tempos em tempos precisava se refugiar ali, mesmo que por alguns minutos. Logo se recuperava e buscava seu autocontrole na base de respirações programadas. Conhecia bem o caminho da ida e da saída desse estado. Sob todos esses domínios da finitude humana. Se culpa pelos pensamentos de uma suposta libertação, pensamentos frutos de insônia e tormento. Isso ainda acontece e, entre lágrimas vê à sua volta e a todo momento percebendo uma interligação imediata com aquilo que vive internamente. Será que é normal isso? Sempre ensimesmar?

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Mas você não pode realmente dizer algo assim sobre si mesmo

Acontece, enquanto alguma iluminação em uma justa composição, uma boa compreensão sobre si mesmo. As melhores condições dos que criam uma conexão de aparência refinada e conservadora, cidadãos de todo o mundo, sabem que ao capturar elementos humanos universais, seu trabalho permanece intemporal.

Talvez através da ação possamos realmente descobrir quem somos. ‘Mais perto da essência o sentido respira, mas nem sempre o ar puro se tem’  e agora é a hora de fazer uma pausa limpa daquilo que você tem feito até agora. 

((…) e todo mundo se odiava, exceto…) É claro que as proposições nunca param. Certamente houve provocação a um monte de gente. Mas seus interesses estão em outro lugar agora. Eu me acostumei a não olhar muito para o futuro; É melhor quando você pode começar cada dia novamente. A andar em círculos, ou as mesmas montanhas rolando as mesmas rochas,  cantando canções agradáveis.

Então jogue o seu favorito xale nos ombros, cobrindo a garganta e o coração, especialmente se as palavras estiverem erradas e os lugares também.  Pois as coisas ainda não atingiram a fruição e você tem que esperar. Faça da sua casa o seu corpo e com um garfo coma os seus loops de consciência como frutas no escuro. Deixe-os imaginar que não há música, imagine que não há músicas. Ensine às crianças como esmagar o ódio. Pegue sua faca Bowie, sua girafa de pelúcia, seu novo olho de vidro, seu chá de pequeno-almoço, suas fitas k7 do Nick Drake,  seu sorvete no pote de feijão, a sua vontade de viver e a sua vontade de chorar.

Suas mãos já de idade estão magras e bem cuidadas.

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1.1 (para se aquecer)

 

1.

É um encantamento estar longe de onde há o perigo e da última coisa que você se lembra (uma briga). Lá vigora também aquilo que salva à autocompreensão de nossa própria condição como seres humanos assolados pela incerteza (olhos vendados). Arrisca transformar-se em pesadelo autodestrutivo – a ambiguidade é preferível à clareza e à simplicidade. O ônibus sacolejando sobre um talco vermelho, assemelhando a paisagem à filtros vintage que encontramos por aí – alimentando tipos específicos de ilusão, uma memória que pertence a todos. Não restou sonho de liberdade possível, técnica que equaciona urgência com pressa, por si mesmo emergencial. A mudança resulta de uma instrumentalização da necessidade de uma postura mais racional que não se desloque da ação.

É lenta. Nada parecida com o ativismo frenético e o falatório vazio a fim de consolidar e estender sua ideia original. Ideais ainda imaturos. Começa a notar que coisas insólitas estão acontecendo com ela e, pior, está fazendo coisas estranhas e irreconhecíveis. O movimento cessa, a poeira invade as janelas e tudo fica coberto com uma fina camada que seca a garganta e fere os lábios. Abre a bolsa e entrega uma moeda dobrada ao meio – enfrentar um livre fluxo do pensamento.

É claro que você terá de criar o vilão – lembrou.

Colocando a felicidade dependendo de um fator externo, observava todo o sincronismo oculto naquilo que acontecia ao seu redor. Não resistia relacionar o número de janelas do lado esquerdo do ônibus com o número que estava na placa de sinalização do posto, com o casaco vermelho rubi que viu em uma senhora. Gostava de pensar que tudo à sua volta estava de alguma forma interligado e que um fio frágil (que ainda não se deteve em definir muito bem o que era) costurava o cotidiano. O que traz algum conforto. Por todas as vidas que formam-se nessa rede de pensamento, que envolve fatalidade. Minha alma está em estado avançado de decomposição – cansaço. Arrumou suas coisas na bolsa, pensando em como ter menos e ser mais simples. Deve ser leve precisar de menos objetos, e, principalmente, menos objetos na bolsa. Qualquer felicidade excessivamente buscada fora de si é absolutamente temporária, lembra daquela frase que acabara de ler. Ter muitas coisas devia ter um motivo. Só que não conseguia descobrir se isso era uma forma de romper o isolamento, de se sentir um pouco menos solitária.  Ela sentiu um impulso maior no que diz aos seus assuntos pessoais. Como essa bolsa pesa. Preciso de bolsas menores, preciso precisar menos. O acúmulo é cansativo e eu já estou cheia de andar capengando.

Desceu no local indicado. A primeira coisa que chamou a atenção foram as cores, a composição e a relação das formas. O lugar parecia destruído, era um local de obras (estão por toda a cidade, afinal), onde se misturavam concreto, pó e muitos restos. Fica ali por uns instantes para apreciar, aliás, para decifrar. Não entende porque ambientes em ruínas chamam tanto a sua atenção e logo imagina que muitas peças de arte contemporânea estão ali, prontas. Os vergalhões retorcidos pelos tratores e marretas faziam um desenho no espaço – a aniquilação de qualquer resquício de romantismo. O trabalho seria só o de deslocá-las para uma galeria. Ri. Ri porque sabe que não é esse o seu caminho. O das galerias de arte. Sentia uma genuína disposição de compreender e de buscar um novo significado aos próprios erros que não envolvessem culpa. A ideia do encontro era de um enfrentamento das emoções e pensamentos negativos. Mais leve, mais leve. Esse era o seu desejo íntimo.        

Tinha direito ao bem-estar – enxergar os erros como aprendizado. Puxa, como isso era difícil. Sentimentos de compaixão e compreensão conseguira ter em relação aos outros, principalmente àqueles que não conhecia. Já aos próximos e a si mesma não tinha ainda esta habilidade. A aparência era perturbadora. A melhor maneira de ter certeza acabou gerando ainda mais expectativa, não mencionara o ocorrido por muito tempo e assim tudo parecia seguir seu rumo normalmente. A frase pichada no muro por trás dos escombros interpela, exige resposta: ‘qual violência você pratica?’ Paro subitamente e o mundo gira. Perco os pensamentos e minhas pernas dão uma volta sobre os próprios calcanhares e sigo para o mesmo ponto que cheguei. A enxurrada de pensamentos paralisa e tira a coragem. Amanhã estarei melhor, hoje não tenho condições de seguir meu plano. Sigo o caminho vermelho, pouso os pés na poeira, sento numa beirada de meio fio esperando o veículo que me levará de volta. Sobre a violência, não conseguira encarar.

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Pensando em quintas-feiras

A confiança nunca foi totalmente recíproca, às vezes é difícil até mesmo imaginar um lado bom, então o gesto que recebe de volta é de outra natureza. Desistir das escovas de dente não é agora a questão. Fraca de forças, mergulha na nova temporada das escolhas fundamentais, com novos revestimentos de plástico. Porque a gente não devia aprender a amar quem nos aprisiona.

O desenrolar melódico como em uma caixa de música deu pouca indicação do que estava por vir. Aquele não era o mundo que quisesse fazer parte, que pudesse fazer parte. Em retrospecto, aprecia-se como um começo inocente. E que foi se permitindo uma flexibilidade em seu pensamento para novas idéias e maneiras de fazer as coisas, novos agires, novas possibilidades. Adaptar-se. Entregar-se. Se tornar maleável…  Mas isso não resolveria, não resolverá, não resolveu as questões mais importantes. O gesto que recebe de volta é de outra natureza.

Empatizar com as necessidades do outro. Importante que se fique mais fácil com os dias. É importante se reconhecer nos gestos. É importante que os gestos tenham sentido, um sentido mais profundo. E que não sejam em vão.

Depois de fazer alguns presentes finais (físicos e musicais), respira um suspiro de alívio e a oferta “de terminar algo que você trabalhou muito duro” a faz dolorida, apática. Uma peça rápida que acelera em direção ao ano novo mais uma vez, aumentando a sensibilidade. Torce por uma fé mais justa.

Eu te apodero dos meus sentimentos. Pequenos potenciais, de competências, de desenvolvimento. Mas o gesto que recebo em troca é de outra natureza. Entristece. Emudeço. A queda foi muito grande e abrupta. Perde-se o ar. A fala. A letra. É duro. Embrutece.

É uma boa noite para os pássaros e as abelhas e talvez veja novamente a lua essa madrugada. A luz da rua vindo através das árvores.
Talvez ou o balanço no meio da rua tarde na noite, sem nenhum ensaio necessário. Como estará o lá dentro? Não precisa se preocupar, não precisa se preocupar com…

Apenas aumente o passo.

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Ivana Almeida

Que tom tem seu grito?

O aperto de viver em um mundo muito pessoal e individual era real, mas desejava que se garantisse  uma certa blindagem dentro possível. Só aquela leitura trouxe um pouco de mediação entre os mundos. O problema com leitura é que parece que você não estava fazendo nada. Quando você lendo se põe a escrever, volta a ser respeitoso ao próprio corpo, produtivo. Porque tem o gesto, a força, uma intensificação da força de vontade.  Nós novamente sozinhos. Alguém que pesca desejo, lê nas entrelinhas. Ele percebe o que você não percebeu que você fez. Uma alegria muito delicada a esse respeito, grita.

Consulta, guardado debaixo do travesseiro, o manual de como começar (bem). Da estrutura da limpeza se espera um pouco mais de consciência, estrutura pela qual você não está preso à família, nem a ninguém, e está disponível para ir aonde for preciso… Os tons e as nuances que pedem a espera de um pouco mais de conhecimento. A vida passou e se aprende coisas, mas mudanças? Acho que somos sempre os mesmos. Infelizmente.

As pessoas que estão mais em contato com suas próprias emoções e seus sentimentos, se relacionam de uma forma muito mais próxima com a dor de outra pessoa  – essas são as pessoas mais fortes que eu conheço.

Bem, é por isso que você precisa ser mais inteligente e confiar, ela disse. Já tenho 75 anos e, como todo mundo, não sou obrigada a fazer nada.

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Vivendo nas ruas, dizendo que se poderá viver grande amanhã

Eu vivi nesse lugar onde o verão é quente mas as noites são frescas, em outros tempos. Por lá se anda de coração apertado de um amor suficiente e cheio de cores vibrantes, luz estourada. E você está tendo sérias dúvidas sobre movimentos que você nem conhece e a resistência começa em seu coração. Quando a gente liga o telefone, notícias, opiniões… quando a gente entra em contato com o  assalto diário do presidente sobre a nossa compaixão, sobre o nosso bem… a razão e o bom senso básico vem dando lugar ao medo e à raiva.

Vivendo nas ruas dizendo que se poderá viver grande um dia, talvez amanhã. É apenas uma vida que você não pode acreditar, é apenas uma vida que você não pode pedir. É apenas uma vida. A ameaça de que o sangue pare de circular, que falte oxigênio, é constante. Encontrar uma maneira de se fazer o que se pode, com suas próprias habilidades, em sua própria comunidade, estender a mão… Você vai ter muitas ideias brilhantes, ele disse.

A luta para se levantar das manchetes e entrar em ação é tão real e tão estranha como as maquinações de um órgão de dez onças encarregado de manter vivo todo o seu corpo humano.

O grande desafio desta era surreal em que vivemos agora é, em seu centro, no seu canto, uma pergunta feita pelos muros: Quanto você pode amar? Bem, muitos não estão começando nessa estrada e com certeza não estão fingindo, mas agora, quando ouço, faço movimentos circulares com os dedos, pensando na tola esperança. E mais ainda na necessidade da desistência dessa esperança. Você vai ter mais fé em seus valores e a realidade vai mostrar que você está no caminho certo. Porque o lugar bom de se viver não é nesse mundo branco.

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Darcy Padilla, From series Julie, 1993/ 2010

O chão é vermelho

Tinha olhos grandes e estava de regata azul com a estampa de um macaco com uma coroa de rei. Ao invés de se contentar com as distrações que o dia colocava ao seu dispor preferia dedicar-se à sua ideia fixa – a composição das cores nas paisagens. A cor pode fazer seu dia cantar. Todos os seres lutam por sua vida enquanto a mente está intimamente ligada ao que experimentamos no meio das nossas naturezas.

Eu estou bem acordada e posso ver que o céu está perfeito com um tom rasgado. É um pouco tarde e já estou despedaçada e sem fé. Então, por que não começar imediatamente?  Deito nua no chão e quero pertencer a um estado alterado de consciência. Há tanto para admirar, para chorar.Uma ilusão que nunca se transformou em algo real. E a potência do dia é a resistência.

Eu sei que quando você provoca um estado de transe, tão intenso que bloqueia a percepção de tudo o mais, delega qualquer outro o estímulo ao natural. Estar neste mundo, isto é como eu sinto, é sentir frio no verão. Estou com frio e quero escrever músicas ou poemas sobre percorrer os caminhos ao redor do mundo.

Você precisa de um pouco de escuridão para ir?

Os de modos únicos com propósitos e pensamentos, por um tempo, têm uma vida. Os pés que levam você para lá e para cá, descalços, estão vermelhos de terra. Abençoe os olhos e as orelhas ouvintes. Abençoe a língua, a maravilha do gosto. Abençoe tocando.

Você poderia viver cem anos, deixe-me ser tão urgente como uma faca, então.

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Foto Ivana Almeida

 

Quando paraíso

Acreditava que grande parte daquela estrutura, ainda que invisível, era imutável. Com uma taça nas mãos circulo pelo ambiente à procura de micro paisagens. Desejo de voltar às flores, ao sol e a todos os azuis (sentimento de afeição). Logo após um dia particularmente feliz, onde os caminhos estiveram por tanto tempo obstruídos, edito minhas imagens e sinto-me refeita, já que não precisavam de filtros. O olhar necessita cada vez menos de edição. Claramente, a mente tem um poder tão grande de se concentrar em qualquer momento que parece não ter um único estado de ser. E vou finalmente conseguir esquecer, perdoar, aceitar e compreender (…) não nessa ordem. Não em ordem.

Quando vi um dos dois entrar no táxi senti como se mesmo depois de separados eles certamente se reuniriam novamente. Separação temporária. A obviedade do que as faíscas que saíam dos dois significaria é desconcertante. Acontecem, sabe-se, quando o natural seja que se alinhem. Tenho um instinto profundo pela aurora, um trisco de racionalização e naquele estado (onde mais vulnerável) poderia ser facilmente abduzida por meus próprios delírios. A certeza acontece, pois que a incompletude gera encantamento. Pastel frito. Melhor pedir mais um, estou com fome. Sabe? O desnível da encosta era para se equilibrar. O reflexo na porta automática mostra alturas, diferenças e muito sorriso.

Aqueles que prezavam pela renovação da língua ou pela palavra nova que se inventa, ardiam naqueles dias. A violência atinge quem amamos que tornam-se vítimas no espaço onde deveria existir cuidado. Onde deveria existir a comunhão. Tempos difíceis, tempos horríveis aqueles. Há um grande trabalho negativo de destruição sendo realizado. Exigir a limpeza do indivíduo após investidas do estado com agressiva e completa loucura é infértil. Um mundo abandonando nas mãos de bandidos que se despedaçam uns aos outros e destroem os séculos. Tempos difíceis.

Das linhas paralelas se falava muito, enquanto o outono se aproximava, enquanto ainda no verão se esperava. Aqui está a nossa nuvem de diversão; poucos serão capazes de prever tal intensidade.

Tem sido insistentemente difícil saber o que realmente queremos; difícil distinguir entre amor e luxúria, entre o mundo prático e o mundo subjetivo; difícil não sucumbir àquela repugnante tendência perigosa (até um pouco religiosa) a idealizar e a julgar; difícil conciliar a proximidade necessária para a intimidade com a distância imposta e já necessária para o desejo; difícil aceitar a espera.

Queríamos dar beijos na boca e também nas bochechas.

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Carla von de Puttelaar, Untitled, 2007

Seu abraço, uma fortaleza

Talvez você sinta que tudo o que você percebeu anteriormente, do viés pelo qual você percebeu, está finalmente caindo aos pedaços. Osso por osso. Perder as formas e as pessoas faz funcionar as loucas velocidades de alguns pensamentos destrutivos. Ali em pé, na praça, olha a chuva e sente um gosto de derrota forte na boca. Pés encharcados, calça úmida, esbarrões. A chuva nos poemas é bucólica, linda, te coloca pra pensar na vida. Coisas modernas. Se você perguntar-se com paciência e cuidado sobre as escolhas e as prodigiosas lentidões do viés das coisas terá uma percepção da potência de captar micro fenômenos, micro operações. Micro-gotas. Arrepios. Dá ao percebido a força de aceleradas ou desaceleradas, decisões. Elas só estavam esperando para se multiplicarem. Segundo um tempo flutuante que não é mais o nosso e necessidades que não são mais desse mundo: desterritorialização. Estamos sem lar.

‘Eu estava desorientado’ ouviu no ônibus. Ele mesmo não é mais senhor das velocidades, e alguns andavam como se estivesse vivendo. Só penso que quero isolar-me, ir para casa, ensimesmar-me. Talvez com rádio, boas baterias, melodias. Pois o que seria um futuro bom seria no abraço. Aquele. 

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George Rodger, Pondo women of the Transkei, South Africa, 1947

Deus é a sua solidão

Talvez um projeto ambicioso, uma micro performance inspirada na solidão e no contraste entre a esperança e o medo, alçado pelo poder do mito e pela importância das palavras (lembra da dificuldade da construção do eu, aço preto).

Evidência. Anotações em pé de página: empatia – estar com. (Olhando em seus olhos, olhando em seus olhos, olhando em seus olhos, eu estou olhando em seus olhos). Brinca com a aceitação, com a ação e o movimento.

Deus sempre nos deixou sozinhas.Um contraste semelhante que diz muito mais a respeito da geografia do que da filosofia, é criado baseado no tema de deserção motivacional. Era dilacerante ser insultada sobre as qualidades do meu pequeno corpo quando eu ainda era uma criança espiritual. Sentia que tinha que me tornar fisicamente capaz de me organizar e fazer o que precisava ser feito. A auto alegria, permanência e auto preservação me impeliam contra a conformidade religiosa predominante.  A grande questão da revolução está nos objetivos a serem alcançados, não nos meios para alcançá-los. Sobrevivência.

Estava gastando muitas horas da minha vida a fazer este trabalho, e se ia continuar, eu realmente gostaria que tivesse significado para mim. O começo com o som dos sinos da igreja, soavam como se a zombar, escarnecer da nossa existência. Enaltecer esse escárnio dando facetas redentoras do sofrimento é um ato violento. Exigência da não conformidade com as regras vigentes. A impressão geral é a de um dos pensamentos conflitantes: uma tristeza ao pensar que a religião pode não ser verdade, e a difícil força de eliminar a esperança de que um poder superior pode ainda estar presente, mas em silêncio. Se vivemos situações em que sistematicamente e constantemente se amordaça o feminino pelas tradições, a reação deve ser violenta. Nada disso faz sentido algum. Não mais ficar de joelhos diante do masculino divinizado.

A solidão do som, o silêncio da palavra é um reflexo do tempo, que durante a gravação, o artista mergulhado em sua própria psique, procurando significado e independência.

A luta é aparente no desejo do violoncelo tocando ao lado, banhado em lágrimas. Muitas vezes, o desespero parece ganhar, especialmente quando uma voz distorcida entoa ‘um mundo de trevas lhes aguarda…’. Este sentimento de não pertencimento, talvez um pouco demasiado óbvio (ainda um reflexo de raízes hardcore) reflete, no entanto, as palavras: “O que mais dói é esta – que Deus não é mais poderoso”. O minuto final não seria fora do lugar em um funeral. Com um número cada vez menor de pessoas que lêem, a música pode ser a nova literatura.

Parte II: A necessidade de sobreviver  é o próximo na súmula. Por agora, muito em que pensar. Se as duas partes seguintes são tão fortes quanto a primeira, será um tríptico incrível. Cabeças e corpos por todos os lados.

Renunciar, convidar e abraçar tudo de uma vez. Preponderando a mudança.

JAPAN. Tokyo. 1996. Waiting for the tube.

Gueorgui Pinkhassov, Waiting for the tube, Tokyo, 1996

É o meu corpo

Eu sou muito sensível e um bom pedaço desagradável. Eu não sou uma pessoa perturbada nem nada, mas definitivamente uma pessoa (em crise). Se pode lidar com isso ou contra isso. Tanto faz. Havia sempre trabalho para fazer e muitas outras coisas que eu estava interessada. Encontrei-me nesse lugar de angústia e algumas perguntas por todo o caminho de volta esteve sem resposta. Naquele ano crucial… Então percebi como – isso soa pouco um clichê – em uma ação voluntária, esvaziar-se de tudo o que se é, é libertador. Não há nada lá, nesse lugar de alma. É uma ideia. É um conceito. Não é real. Estou confortável com ambos. Você pode me chamar de qualquer coisa que quiser.

Passeando sobre esses conceitos e as outras pessoas decidiram o que era ou não em relação a essas coisas. Não me identifico com essas possibilidades. Eu só tenho esses pensamentos. Eles incentivam você a fazer declarações e ser uma pessoa provocante sem ser matizada.

Mas esses dias acabaram. Nós não vivemos nesse contorno mais. Algumas pessoas ainda vivem neste mundo sombra de falta de transparência e inautenticidade. Eu acho que o mundo está nos sendo roubado, compartimentado e estamos sendo excluídos. Pela causa, há diálogos a serem realizados, o que lhe dará os elementos-chave para decidir sobre as escolhas que precisaremos fazer. A superabundância de enfeites e distrações entorpecem. E acabamos por amar nossas prisões, ou pelo menos a grande maioria.

Você realmente não pode mentir mais. Pois que havia sempre muito trabalho a se fazer e não confie em coisas que parecem fáceis. 

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Olivier Valsecchi, Couple

Foi agorinha

Você chorou embaixo das árvores domingo de manhã, bem reparei. A árvore esqueleto no vidro da janela, persiana do vento. Oh, nada é de graça, nem uma vela. Bem, talvez você possa ver e me dizer para onde foi. Folhas caídas enredam através do céu visto daqui. Uma lua nervosa incandescente do branco como o fogo, só deixo estar. E volto a respirar.

E está tudo bem agora, está tudo bem agora.

Música como na garganta de uma sereia, e estou te chamando, é minha voz. Você é um homem novo agora, que acorda coberto de sangue que não é seu. Cheio de energia proibida, cintilando na escuridão. Tinindo. Percebe que tem que romper com estruturas, percebe o que lhe falta para isto. Você chorou embaixo das árvores no domingo. Eu bem reparei.

 

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Lina Scheynius, Amanda in London, 2014

Será que você tem um monte de carinho?

2.3
Você é um pessoa muito bonita. Mesmo quando você está em pausa (e as circunstâncias a pedem), você parece não entender completamente o que significa ser uma pessoa bonita. E aquele amigo muito próximo que tem como principais qualidades (humanas) alguma paciência e doçura suficiente para um impacto direto sobre seus pensamentos irá te explicar. Chegará a te desarmar. O que você vai experimentar tanto em terra como no além-mar é que o melhor é que justamente as armas caiam. Isto é tanto uma certeza e uma verdade, mas no momento não ousaria permissão para dizer mais.

2.4

Naquele momento, isso teve um impacto maior sobre suas questões do que poderia imaginar. Uma prioridade é a amizade que você tem com ele. Sei lá se poderia  levar a gestos inapropriados de cá da sua parte. Você deve falar com ele para garantir que nenhum dano aniquile com a ideia. Será praticamente impossível de fazer, mas deve se esforçar, reforçar.

2.5

Franqueza e clareza em suas explicações poderiam levar a um debate ou uma discussão sem fim, então é melhor transmitir seus sentimentos com a esperança de que você os entenda.

2.6

Um cuidado especial para limitar os danos, porque este homem não necessariamente irá aceitar o que você diz. É aqui (de sua parte) que começa a negar uma realidade cada vez mais evidente. Mesmo que este homem não entenda você, ficará claro que não fazem mais do que o necessário. Goza de liberdade dentro dos limites que você criou para si mesma, ele repete. Tenha em mente que a água ocupa um lugar especial no toque e na pele. O seu papel não é claro, mas a sua presença é muito evidente.

conceitos-chave: coragem, originalidade, ilusão, equilíbrio, insegurança, campo, peixes, segunda-feira, mês de janeiro.

 

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Ivana Almeida

Demorei para guardar os sonhos na gaveta

Quando você for mudar, com muitos lampejos de inspiração que, se bem organizados, podem ser  certeiros, guarde o seu descanso. Que não se esteja disposto a deixar o visual mundo e se você o quer mais escuro, sopre as velas. A menos que se tenha aquela coisa assim, não espere por nada. Você é igual a mim mas eu vivo fora da cidade, e sei que você não deve mudar o endereço da sua correspondência. São os números, lapsos cíclicos, vagares, como a filosofia, como a arte, como o próprio universo… não tem valor de sobrevivência; pelo contrário, é uma daquelas coisas que dão valor para a sobrevivência.

Anda a olhar para a beleza e os significados entre os destroços espirituais que encontra jogados pelo chão. E  sentada na janela aberta (às quatro da manhã), imagina como seria a queda de costas do segundo andar. Tipo poesia, mas que se desintegra em inverdades para qualquer um que já tenha sido impulsionado pela bondade forte e amarga de um amigo, ou sobre alegrias amplificadas por uma estranha disposição em frente à crise.

Se tira força e algum sorriso é mais por mania do que por alegrias que encontra. Provavelmente você não estava muito bem quando me escreveu, sempre a olhar os prós e contras, atrás de melhores sonhos. Não faz sentido ir contra atrasos e obstruções em inspirações mais sutis. Ventos de boa sorte irão soprar em sua vida em breve, dizem as cartas (onde há uma mulher nua ajoelhada à margem de um rio) e o curso da sua vida cotidiana se tornará menos conturbado.

Uma onda de introspecção, que merece cigarros miúdos. Muitos.

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Ivana Almeida

 

 

Volta e meia

A força escura é que muda a forma da borda da árvore, todos os ventos finos tem ido para a noite e este mundo doce é muito mais velho que outrora. As artes, que geralmente oferecem mais satisfação, estão incertas. É difícil fazer uma vida sobre se está tudo bem com você… É a noite que sinto ao redor dos meus ombros quando (aqui vou eu) ouço que você foi lá fora à procura de algo para amar. Mesmo tanto tempo depois é encantador e torna-se difícil de acreditar que nós estamos caindo num instante-agora. Todas as coisas que amamos, amamos, amamos… Nos perdemos tanto em nossos corpos que, às vezes, caem quando tentam subir e ouço você procurando por algo… para amar. 

Sente-se ao meu lado, acenda um cigarro, tome um café. Me peça para relaxar, sinta-se forte. Eis os pássaros em todo o céu e ouço você lá fora à procura de algo para incendiar. As crianças erguem a cabeça em direção ao arco e nos puxam para longe. Não são as potências fortes que estão em jogo, mesmo que elas sejam mais fortes do que nós. Venha aqui sentar e dizer uma breve oração para o ar, o ar que respiramos e a ascensão surpreendente. Venha agora, venha agora. Não prenda a respiração enquanto você segue o longo caminho de volta.

Bem, eu ouvi que você foi à procura de algo para amar. Feche os olhos e prepare-se.

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Emmet Gowin, Nancy, Danville, Virginia, 1969/ 1991

Simplista

O coração conceitual está em minha mente, chamo-lhe abstrato. O que você não é mais. Você e eu? O conto deste puta sangue vai um pouco assim: parcos rituais de arte ruim e falha…O que mais posso dizer? Se eu tivesse a chance de falar com alguém, falaria sobre a vida dele e, em seguida, falaria sobre as minhas ideias.

Estou trabalhando nisso e no alto na loucura acontecem as falhas combinadas…  Eles podem se conectar e se tornar tudo, tudo o que um dia foi rasgado e assim ficou em sua vida. Mas venha comigo hoje, eu quero lhe mostrar uma coisa do meu mundo e vamos conversar sobre  como fica o gosto ruim na boca nesses dias, parece não ter fim. Já se sabe, para ser algo aqui é bom ser inadequado. Encontrar o mútuo coordenar de momentos de clareza são tão raros que até assusta quando acontece. A vista é feroz  e tudo o que importa agora é quem está aberto a ser. E quem coagulou?  E quem fechou as chances? 

Mostre-me as necessidades que tem! Deseja sincronizar os sentimentos com o os que têm compaixão, um pequeno exercício libidinoso…  a faz sentir a sua dor, como ordenhar uma pedra (milking a stone) para levá-la a dizer tudo o que for preciso.

Um último hit and roll, domar os demônios.

 

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Stacy Kranitz, From series Don’t Drop the Potato

Nesse momento

Quando o espírito se move dentro de mim, vai saber, talvez pare de respirar por algum momento. Quase tudo é convertido em memória e a alma queima. É mais forte do que eu a vontade de que os escritos tenham uma vida sob o sol. Garrafas e copos ou o que quer que se encontrasse por ali, tornam-se em silêncio uma maneira tosca de começar o dia. E passar por isso antes de se dar por si totalmente era uma forma de se sentir mais feliz. O seguro está seguro aqui com você. Já é de manhã bem cedo, ninguém está acordado e estou de volta ao meu rochedo logo acima nas montanhas. Onde noites e paisagens se misturam, carros ficam embaçados, casas e estradas que são a cara de cenário com trepadeiras e ervas daninhas.

Pego coisas que posso jogar lá de cima e fico a ouvir os sons que elas fazem em seu caminho. As vozes me chamam e dizem que vou ficar bem, e que todas as coisas que eu deixei para trás, lá poderão ficar. Ninguém soube o que se passava com ele, mesmo vindo devagar depois de mim tentando esconder as coisas que não se queria ver, ele se comprometeu a. E se minha mente ficar louca, eu nunca soube sobre a vida, verdade seja dita. Não poderia comprometer a maneira como ele sempre olhou para mim, do jeito que sempre olhou para mim… Desejando ser apenas uma folha que desce a rua pelo vento que a pegou, abriu e passou um laço bordô que a enfeitou.

Ia lentamente depois de mim, sigo com os olhos até que me ultrapasse, até que depois desapareça por trás da memória dos mais de 600 retratos que ele fez. Um mundo que foi abandonado, e imaginar como as pessoas poderiam voltar para suas vidas era um exercício diário, enquanto enfrenta a própria retirada. Pisco e imagino o como meu corpo iria soar quando batendo contra as rochas… e quando cair os meus olhos estarão fechados ou abertos?

Eu vou passar por tudo isso antes de você acordar para que eu possa me sentir mais feliz com você.

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Andres Serrano, Colt DA 45 , 1992

 

 

Eu não tenho alma para vender

Ela sugere que o que você mais quer neste momento é encontrar a força e a força de vontade para vê-la e assim, através disso, conseguir o que deseja. É importante que venha de um lugar de amor e tolerância, de não agressão. Coloque seus medos para descansar! Me ajude, eu não tenho alma para vender.

‘Eu quero sentir você por dentro / ajuda-me no que me faz perfeita / e em toda a minha existência estive falha…’   e é essencial para entender como seu pensamento funciona, a gente se desdobra, se co-apresenta melhor. E há de se ter paciência com os desvios do pensamento ético, há de se ter paciência com os copos que estão pela metade, ou de ar ou de cachaça. É o devir, vamos criar outras subjetividades, gritam as moças.

Que o devir funciona sempre a dois, para dar conta de algumas possibilidades. Aquilo que impede os corpos de se moverem deveria ser relativizado, a força dos habitantes dessa cidade será maior. Um dia nos conduziremos pelas intensidades e faremos novas alianças.

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Gail Albert Halaban, From series Out My Window, 2007