Ou seria engolida pelo tempo

Chegou na hora exata, como um sinal, talvez até divino (talvez  exista alguém pensando em mim agora…). Organiza sua vida ao redor disso, desses pequenos sinais. Naquele momento só consegue pensar na oportunidade que a vida oferece de  fazer pedidos para o universo. Suspira. Eles se abraçaram novamente, e então desataram a falar. Era um indicador de um amplo potencial, potencial afetivo, sabe, diria ao psicanalista mais tarde.

Porque aqui eu sou o lugar, o lugar é aqui.

Porque estereótipos limitam o amor, porque os rótulos limitam o amor. É muito sensível em relação a como os outros a acolhem (ouviu dele). Com notável ambição nos olhos lia nos trechos rabiscados em pedaços de guardanapos que guardava na bolsa “se aqueles que começamos a amar soubessem como estávamos antes de conhecê-los … eles poderiam perceber o que eles fizeram de nós”. Suspira.

O que podemos é fazer uma aposta! Tolice (decadência, sintoma de esgotamento). Aqueles que preferem os seus princípios aos infortúnios dos amores, sua felicidade, sim, aqueles eram fortes. Que besteira. Se recusam (apenas) a serem felizes fora das condições que parecem ter anexado a sua felicidade. Eu te amei como pude.  Às vezes sinto-me atravessada por uma imensa ternura por pessoas ao meu redor – grito mudo. Como o grito usado nos antigos clãs para inspirar os seus membros a lutarem pela preservação. A sua apenas, talvez já bastasse.

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Fan Ho, White tent, 1960, from series Living Theater

 

 

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Ou mais precisamente,

De um significado infinito (o segredo) lento e preciso, pousou como uma névoa suave descendo sobre os últimos dias (não desanime). Enrouqueceu, a respiração suspensa devido à natureza da semi-improvisação, como um fantasma que tem medo de ter morrido. Deixe suas cores gastas, seu peso. Impressionam na disputa levantando-se no ar, num pulo ágil e bonito, como se tivessem vida própria e exigissem serem ditas – as palavras. Mostrou algumas curvas e espirais na bolsa e saiu a rodopiar. E seus sonhos? (Os meus sonhos estão em silêncio). Você  nunca pensa neles? Articulação. Sempre esperei (esperarei) um sinal seu. Antes do café, antes de cuidar dos dentes, antes de trocar a roupa. Antes. Nem precisa acordar, acordar, só abrir os olhos já espero um sinal seu. Deveria estar dormindo à essa hora. Então começa a escrever, palavra por palavra. Diziam que de longe era melhor. Com os dedos na boca percebe que a raiva é uma forma de tristeza.

 

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Amor em líquidos

Com cheiro de terra úmida e fértil, não conseguia sossegar. Estou adiando o silêncio. Tentou a palavra, mas ela cortou demais, doeu demais. Ela e seus múltiplos orgasmos eram sua usina de força em um arranjo maravilhoso desse esboço de ecossistema dinâmico do corpo.  Uma invejosa habilidade de produzir espasmos partindo do ventre em direção ao peito, pulmão e coração. Era o que se podia resultar desse impulso.

Sabia que deveria olhar os poetas para que não pensasse que esse tipo de auto-cortesia era injusta. Deitada no mato sentia o corpo espetado por pequenos gravetos que conseguiam atravessar o lençol que usou como leito. Queria o amor maior, natural. Um dia quis ser isenta do clímax e se permitir o mistério. Roçava levemente as coxas nuas no tecido, prolongando a viagem de volta, ainda que não tenha estado em lugar algum. Sobre memória, perda e culpa – já intuía o que viria a seguir. (Olhe nos meus olhos e fale sacanagens).

Um sentido, um nome, um corpo, carne. As coisas ausentes não mais eram.

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Emmet Gowin, Edith, Danville, Virginia, 1972

 

 

Talvez deus fosse feio

Deixou cair a pequena moeda da sorte, aquela que carregava consigo faziam três anos já.

Era como desfazer de noite o que tricotara de dia só para tentar desfazer o feito e ter sempre recomeços. Precisava de moedas naquele tempo. Se agarrar a sentimentos, por muitas vezes, era só o que lhe restava, e à essa tarefa se dedicava de corpo e alma. Não percebera então que os pensamentos funcionavam como âncoras, pedras, pesos, cimento. Podiam paralisar, embrutecer, emburrecer as gentes. Mas um ouvido atento percebia isso e a  libertaria como se não houvesse mais urgência urgente do que aquela liberdade tola. Pois o lado de lá tem cor e endereço indefinido.

As montanhas interditadas pelo inverno, separava os lugares uns dos outros. A moeda deixou lá, sujando o chão. Fugiu. (Os livros levou consigo em um saco, apertado no peito). A liberdade não era tão alegre assim.

Viveu como que se tivesse sido autorizada a isso.

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Sophie Calle, The Nose, 2000

 

 

Oi. Sou eu.

Ouvi ao longe, e aí a voz disse novamente… oi. Uma coisa se acendeu em mim, para mim, justo por isso – sussurro de quem sabe que é esperado. Demorará um bom tempo até que se acostume com a luz muito mais clara e mais abrangente do que a que pode ser adquirida em outras lojas. Até que a gente esqueça o som de determinadas vozes interiores… É impressionante como o filme (remake) ainda consegue surpreender. Já ouvira aquilo em outras circunstâncias – sempre quis falar. Esse entendimento começa com a própria palavra: coisas que mesmo esbarrando em tudo não deixam de ser notáveis. Peguei a luminária, a lâmpada sobressalente, cartões, panfletos e saí. Não deixa de ser triste o lamento da mercantilização da sabedoria. Uma xícara. (Como também não é recomendada que a nossa realidade seja construída em algo que tentamos subjugar). Nosso lado mais distinto impede que se faça graça do óbvio. Num momento isso me encantou, porque suas asas têm brilho. É para encerrar essa conversa, enquanto os danos não são tão grandes assim, manda a etiqueta. Ser o que se deseja, a partir de uma leitura casual, fundamental para manter as emoções equilibradas, e apreciar com gosto a euforia de estar no todo que esse encontro proporciona. As noites prometem, sorrio, enquanto sinto que as palavras não têm vida própria. Só à noite.

 

 

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Lambe

À beira de uma determinada figura de mulher que desejaria ser, que raios! – ele estava certo.

A bela atenção e exploração sobre a origem de se abrir e admirar a realidade do outro, no outro, com o outro. Um gesto acidental fundamental para toda vida dar certo. Era, sempre foi, atribuída à falta, essa falha, esse vácuo. Mas ainda é um assunto delicado essa condição e sensação de estar se desagregando e se perdendo. Serve-se de chá, senta na banqueta na beira da pia, e tenta não pensar. Ou melhor, pensar sim, só que com o corpo inteiro.

Já é de madrugada e dali a poucas horas terá que acordar pra cumprir o dia. No escuro, anda no escuro. E quando for oportuno, começará devagar. Um toque feliz  naquele ponto das suas coxas a umedece. Os sentidos se esgueiram pela porta dos fundos da sua própria consciência. Um encontro afetivo. Com a devida honestidade poética, sabe que tentar desesperadamente uma coisa é muitas vezes uma forma de não a conquistá-la. Aperta os olhos. Prefere os arrepios das coxas. Lembra de molhados, de toques fortes, de vigor.

Experimenta, mesmo que de madrugada, mesmo que sozinha, mesmo que com frio, mesmo que apática, experimenta sentir seu próprio gosto.

 

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Ao menos um mínimo de controle

Antes, antes de sequer mexer um músculo, já sabia. Quis despojar-se de tudo que fosse excesso e incômodo do que é aparente na superfície. Não permitir que lhe dominem a alma. Como tentativa de ganhar corpo pensava em saúde. Mal tinha corpo naquela época. Zorba, o grego, lhe ensinou sobre os azeites, berinjelas, vinhos e pães. Sementes e raízes. Um nó na garganta de deus. Precisaria, sob todos os aspectos, ter um controle bom de si. A capacidade de amansar a própria fera interior, vulcão era àquela altura. Sentiu o líquido quente escorrer pelas pernas. Não se conteve.

 

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Mulher urso

Larga, deixou a bagagem do lado, e chegou. Dramática. Esticou as costas como que para parecer mais forte e jovem. Estava faminta, comia tudo, ressonava e existia. Eu cumpro minhas promessas, já foi logo dizendo. Sim, com oito anos de atraso. Agora estou de férias, férias pra vida toda.  No final eram escolhas. Estou muito triste, estou velha. Velha e larga. Estado bruto, selvagem. Independente. A pequena perguntou: está com vertigem, falta de ar, febres? Não te dá tonturas? Vocês têm um jeito estranho de estar com a vida. Olhou pra criança e resmungou, o que deu nessa pra ter ares de estragada? Guardou o senso na gaveta? Porque tu não vai tricotar? Endireitar essas ideias. Quero dormir. Até apagar meu passado, até a manhã seguinte. Com uma voz narrativa singular, deu de ombros, recitou uma ladainha e se retirou.

Ela havia fugido dali faziam muitos anos. Pegou uma foto, umas peças de roupas e foi. Naquela altura a vida encolheu-se. A volta. Não te fez diferença, ela acalmava os lugares.

 

 

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Alexis Vasilikos, From All In

Aquela parte da tua alma

As pessoas mudam. Eu só acho que devemos a ele algumas palavras, isso é tudo. Eles acabam não tendo nada a dizer um ao outro, mesmo que eles tenham sido melhores amigos em algum momento.

Satisfatório simplesmente por ser ofertado o afastamento voluntário e por não ser capaz de sugerir um momento especialmente alegre, com vinho e tudo. Precisariam ser modificadas dentro e fora de você (as coisas). Alguma certeza a gente tem em comum. É poderosa, embora sutil, a consciência. Quanto à clareza que veste o último figurino da apresentação “Nó”, vale dizer, é interior e apenas você pode revolvê-lo.

Morreu de fome porque se perdeu na própria casa. Forçando-me a pensar o contrário dos meus próprios pensamentos ~ no que diz respeito ao coração e aos afetos de um modo geral (enquanto os vínculos vão se enfraquecendo em ritmo constante). Pain can recalibrate your life. Curta isso sem ingenuidade então.

Correu em desvario pelo pátio, tentando fugir. Fugir do frio nas mãos e nos pensamentos. O Frio é sem poesia e sem pétalas. Frio sem perfume. Temos construído em alergia as reformas das informações desagradáveis ou perturbadoras; nossos meios de comunicação refletiram isso. Mas, se não se levantar nossos excedentes de gordura, e reconhecer que essa gordura comportamental, em sua maioria, é ser útil para distrair, iludir, divertir, e isolar-nos, para em seguida, te matar do coração. Todo cuidado é pouco então. Uma criteriosa morte irônica será essa.

Rodou sobre os próprios calcanhares até ter vontade de rir.

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Garry Winogrand, Lone woman in city bus, 1981

 

 

 

Carícia

Um dia ela me perguntou se esperava gêmeos. Oh, deus me livre. Estou faminta. Faminta de tudo, poderemos tentar novamente amanhã.

Persiste na esperança de encontrar um amor verdadeiro – empolgada com isso, não achava que… é a vida. Supere.

Sempre achei que não tinha habilidades práticas pra vida, e veja só. Não aqui, não no meu quarto. Sim, sim, já foi resolvido. Você promete que esperará por mim? Ela veio até a mim, toda vestida de ervas e flores e só disse: em breve. Não, não posso voltar pra casa. Você fez sopa? Sopa parece uma boa. Todo respeito às poderosas. Silêncio para fazer o para-casa, amarrar os sapatos e queimar os bolinhos. Elas  não são como nós. São menos razoáveis. Daqui pra frente quero que você ande cabisbaixa. É o mínimo que pode fazer. Não faça afirmações presunçosas. Dois abraços são permitidos, na entrada e na saída.

Porque impróprio pode ser um sorriso.

 

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Edouard Boubat, tutu, 1999

 

O homem pela primeira vez aparecia em movimento naqueles dias

Um achado: começa com um vagabundo na rua, velhas roupas, velhos sapatos… mas é sempre essa tristeza.

Urgente, emergencial.

Presságio de um momento de batalha e muito esforço, tudo interfere em tudo. Um recolhimento para fôlego para nova aproximação. Fato que está por toda a parte. Ilimitado, indefinido ou infinito. Gostava de acreditar que a realidade última era sem fronteiras. A destruição ocorrerá na medida da necessidade. As lágrimas vêm aos borbotões.

Infinitos mundos.

É urgente. Era urgente então. Será que saberemos enfrentar tudo unidos? Sentiu-se bem. Amor e guerrilha. Objetos, coleções, guardados… isso tudo traz algum espírito de felicidade e um presságio de conquista de boas relações. Afeto. Assim tudo tão frágil no horizonte. A vontade é de firmeza de dentro do dentro.

 

Está tudo nos livros.

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Laurent Chehere, from Flying Houses series

 

 

Sem saber a partir de onde

Sigo, mas o faço pela porta dos fundos. É só um palpite, dos bons, que pode ou não estar certo. Será relevante ainda que de leve, de manso. Nessa grande e deliciosa sincronicidade (almocei na mesma hora que você – só que daqui), a não querência não é só inútil como forma imperiosa – porque a coisa é visível a olho nu.  Eu te entendo e te admiro.  Numa linguagem em que a minha razão não compreende. Depois diga-me como sentes Tu, é essencial que seja assim. Prova bonita da bondade de alguém, mas tenho certeza que pode nos ajudar a nos conduzirmos ao melhor em nós. Dizia-se que era pelo caminho das montanhas voadoras (dava-me medo de pensar que a alma poderia se esvair só no respirar dos vulcões) e em geral as dificuldades de ordem prática adivinhavam que ter conversas muito profundas e partilhar algumas experiências de vida era importante. Colhemos umas flores pelas raízes e algumas ervas daninhas bonitas.

As veias saltadas no pescoço, ainda era só o começo. A revolução era interna, percebia-se.

Perdeu-se do juízo.

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Vida que tem sentido.

Eu gostaria de me lembrar agora. Tentar escrever sobre aquelas identidades fragmentadas de várias maneiras, uma a uma. Era constante que conversassem profundamente, onde nem culpa alcançava. Porque ambos os polos são impróprios – penso que é um caso de sorte. Não havia segredo para lá daquilo. No melhor dos casos um neto bem parecido a acompanharia algum dia. Escolher as músicas certas é um fator importante, entretanto. Eu gostaria de me lembrar agora, com absoluta precisão, de cada uma de suas palavras e anotá-las neste caderno, sem maiores comentários. Limpamos tudo, como se desse modo avançássemos para algum lado em que esteja se sentindo confortável. Peguei no pequeno santinho que trazia  no pescoço, como que assumindo a culpa e, sem chorar, adormeci.

Devia sentir-me melhor.

 

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É sempre dias de chuva por aqui

A água está quente.

Gosta de jipes antigos. Gosta de trilhas sonoras de filmes espaguete. Gosta de truques simples.  Um bom dia para a lucidez e a organização do caos emocional que quase sempre nos colocamos… acabado. Os tipos encontrados ao examinar as minúcias da natureza através de um microscópio são exatamente assim. Com que frequência?

A regularidade das batidas entrecortadas pelos cliques no teclado, cortadas com a precisão de um metrônomo.

E o ritmo calmo convida ao sono. A chuva faz tudo melhor. O vinil verde, a musicalidade apertando o coração, a sensibilidade de garagem e a rocha bruta. Mas, por pura diversão neste inverno, este é o único poder a se obter. Cordas tristes são colocadas em cima de um piano antigo.

Usar o cantar como âncora de profundidade. Com dois ‘sunrise’ acumulou mais poeira do que poderia imaginar. Enquanto cozinhava voltava à vida. Requer outros dons de si.

Divide a respiração em quatro pedaços iguais. Em mim. Leve e ofegante estaria. Esse parece ter sido o sabor do mês.

É sempre época de chuvas aqui.

 

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Olha aqui

Sobe as escadas correndo e aos brados grita: porra nenhuma! Tem hora que é na base do grito mesmo. Vem pensando na finalidade de se fazer entender… A ideia é saber das tendências antecipadamente para evitá-las – elas não precisam ocorrer afinal. Num panorama mais realista do dia a dia tenta seguir, mas sabe que todo exercício da memória é ficcional.

Quem sabe não ser atingida por um golpe de sorte ou por uma farta generosidade alheia? Recorda os dias anteriores enquanto relê as conversas, revê algumas fotos, ouve músicas. Elas não são mais em si, mas em relação a si, assim, num poderoso componente racional. Mas tenta recuperar a origem e responder algumas questões… foi a falta, foi o excesso? É claro que escrevem o que podem, não o que querem.

Perde muito tempo ali a desdobrar passados, resolve-se pelo café e uma bala. Respira fundo e decide prosseguir com seu dia. Quando sai é pega pelo sol, lindo e escaldante.

Ganha um abraço, sincero sim, mas permanece de olhos vidrados.

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Helen Levitt, New York 4, 1972

 

Triste, porém alegre.

Queria usar roupas vintage. E fazer as pazes com meus seios. E ser profundamente emocional e sensual. E ouvir música clássica contemporânea até que a arquitetura sonora entorpecesse. E ser em preto e branco. E ser perturbada e violenta na minha apatia. E não ser indiferente à tristeza e à pobreza. E ser audaz. E que o movimento seja um arrasto. E nua. E curtir links. E ser dolorosa. E que eu não tenha que escolher um final para mim. E estar alegre todo dia. E ser fotografada. E ser experiente. E inabalável. Quase uma pedra. Enfrentar com coragem e paciência. E ser fria e terrivelmente silenciosa. E ter cores de chumbo nas unhas. E beber alguma coisa qualquer e engolir minha chatice com biscoitos.

 

Quer dizer que a escolha foi sua?  Nevoeiros são muito comuns aqui.

 

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Francesca Woodman

 

Não ser o que se falta

Andava muito nervosa ultimamente.

Expandindo os sonhos para onde nada importa muito, eu me olhei sem espelho: um clichê acerca da integridade própria. Com aquele tom confessional de intimidade (como questões de viver e pensar no real) dei voltas para que a saia rodasse. Num gole de café, boca vermelha, boca miúda. Resolvi pelas novas possibilidades afetivas para que, quem sabe, pudesse cultivar o amor. O trânsito entorpece, mal percebe o caminho, tudo diferente.

Segue mesmo assim, e lentamente, percebe que um dia (outro dia) irá surtar naquelas paragens. Mas nada disso beneficia diretamente essa torrente de lágrimas que transbordam, naquele geladinho que alivia as bochechas quentes, já que no sonho fazia tudo certo. Mesmo assim guia o carro, mecanicamente. Sem tempo nem lugar pra lágrimas. Novas escolhas, viva! Novas tendências, viva, viva! E sem aqueles constrangimentos e necessidade de arrependimentos (!!!) era seu futuro escolhido. Queria amar em outras circunstâncias, de outros modos, outros modos. Agora é seduzir. Alegria e baixas expectativas, onde os re-sentimentos fossem sussurrados. Nem a fibra que me falta, nem as palavras, nem a amorosidade.

Não ser o que se falta, começa por adquirir novas qualidades (sem juros) pensando no que poderia dar profundidade a cada uma de suas almas nessa vida. Coisas que jamais sonhara esclarecer com calma, limpar, polir (a alegria sempre acha o que quer) no campo do corpo físico diante de algo que ainda está por se formar.

Uma nova felicidade, pequenina, no banho de sol, um casamento legítimo, sim, vai. Qual seu sexo? Masculino.

Um pouco de sol nas mãos. Assim ficará melhor.

 

 

ivana

Delicadezas

Tranquilizar a imaginação enquanto toma café com bolachas, diz seu horóscopo do dia.

O gesto de “fechar os olhos e tocar o nariz” tornou-se um pequeno ritual em dias de crises (essa habilidade aumenta com da prática) – como forma de lembrar que tem um corpo – rapidamente se estende para o pescoço, ombros, braços. (Suspiro). Interrompe os toques que já são arrepios e sente sede. É um teste para os sentidos. Estão todos aí, prontos, mostrando seu corpo como realmente é. Este meneio lhe dá a capacidade de dizer onde suas partes do corpo estão, em relação a outras, e espera alcançar o ápice quando conseguir perceber onde estão em relação à sua alma.

É uma sobrecarga nos músculos.

Relaxa e tensiona (como quando se encosta em alguém que deixa sua pele como que dirigindo bêbada). Ser – migo comigo mesma. Este sentido é usado o tempo todo em pequenas formas, como quando você coça seu pé sem olhar para ele: nem para sua mão em relação ao seu pé.

E não há um libertino, que esteja um pouco dentro do vício do corpo,  que não saiba quanto o desejo tem de poder sobre os sentidos…

Hoje nos meus sonhos voei, com seios nus, passeando entre as nuvens brancas gigantes. É a angústia do sagrado, o temor diante da eternidade. Solidão. Segui com medo até o encontro com as já dissipadas nuvens em forma de neblina, deleitando-me no espaço esbranquiçado, como se tudo até então não importasse tanto. São poucos os dias em que alguém pode sentir-se antecipadamente alegre e vívido por apenas estar ali, em um segundo – apenas um segundo. Senti o corpo novamente em aceleração, acariciado.

Então o céu desmanchou-se em um banho sobre meu corpo (já nu). Sigo buscando delicadezas.

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Cédric Delsaux, From series 1784, date unknown

 

 

A partir do nada

Diz-se, inclusive, que pode até torrar a paciência – ainda que reduzida e minúscula. Até tornar-se insuportavelmente grande o vácuo, a inteireza é justamente não saber. As cores sobrepostas são apenas o começo. Aparências naturalmente livres  dissolvem o seu passado e se tornarão suas ajudantes algum dia. Algum dia precisará que elas estejam em forma, novas e felizes. Diz-se também que você poderá praticar o quanto quiser enquanto toma essas aparências como caminho (there is nothing around you). O absorver, devorar, ingerir e digerir podem ser o significado maior de se manifestar plenamente os amores? Porque é isso, não é? Prática do amor? Nossas potencialidades de forma alguma serão coisas de se sair gritando por aí. É claro que atemoriza (só que é rodeado por tesão e sensualidade). Pega o café, dois biscoitos, olha o cinza do dia… e sobre como nós deveríamos ser e o que nós deveríamos sentir? E as florzinhas que em um mundo repleto de sinais sem sentido murcham? E se murcharem no jardim de lá sinalizam a secura do jardim de cá? Procura uma mão, uma pele, um cheiro, um calor, um toque, um par de pés próximos aos seus pelo conforto espiritual que o roçar traz. Suspira, suspira fundo buscando fôlego e fé. Mais dois biscoitinhos de nata, por favor.

 

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Cansando-se e desistindo

Não acredito que você fez isso… Em uma mulher truculenta e autoconfiante, isso que você se transformou.

A fase dos gritos,  berros e atritos havia passado, mas a rigidez veio como um ato de resistência. Isso você consegue fazer muito bem, seguir em frente, né? Ela quis conhecer ‘seu’ afogado (sobrevivente de um maremoto) graças ao poder da intimidade verdadeira. Quis mostrar como ser firme e decidida, que não há nada que supere a persistência, que as águas só… são.

Reconhecia o significado do silêncio e da quietude, e não descansou enquanto não percebeu que você aprendeu a observar intimamente – sem um constrangimento tão típico. Engrossas o couro, já ouviu essa expressão? Pois é isso. Couro grosso. Pele grossa. Cascuda, como me chamam. E ele sempre chega por trás! E basta o despudor ou a coragem para conter-lhe, que fosse simplesmente se curvar para aceitar a existência. “Eu não acho que eles têm amor”, digo, olhando para os pés.

A notícia foi ignorada. Arremessada contra a parede, sangra na testa, e novamente sangra pelo não entendimento, forçando um novo golpe. Uma armadilha, deveria ter previsto. Mas nem com toda humanidade dentro de si isso seria possível.

Droga. Outra cicatriz.

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Helen Levitt

 

 

 

 

Bored and naked

Contando que não se faça de preguiçosa e que me adule infinitamente e, claro, que fique no seu lugar.

Mas que lugar é esse?

Mas que pergunta! Só podia vir de onde veio mesmo! O lugar de sempre. Precisa explicar mais? E o que é que vocês queriam? E não me venham agora querer coisa diferente afinal, fomos educados assim (por vocês, by the way). Aí você também não está ajudando não é, fica aí com essas roupas, esboçando sorrisos e auto confiança, fazendo o quer… ora vá! Agora aguenta. E por qual motivo essa cara de infeliz? Pegue tuas revistas cheias de dicas de como ser feliz, linda, valente, inteligente, gostosa, doméstica, profissional, paridora, engraçada, gata, já falei gostosa? Não? Gostosa. Principalmente, seja inteligente sem pensar muito, aprenda as dicas de como deixar a pia branquinha e cheirosa, enfim, não sei de tudo que tem nessas revistas, mas pegue-as e vá se divertir. Com cara de bosta, deprê, cheia de pulsões melancólicas ninguém aguenta. E vá caçar serviço. Se não tem, te arrumo. Mas o que é isso? Vestir como quer? E não me respeita, não respeita meu desejo irrefreável de usufruto?

Mas o desejo é seu!

Mas o quê é isso? Claro que vocês são responsáveis pelo meu destempero, meu desejo de posse. Você se porte a contento, como um bibelô. Isso, um bibelô. Ô gente, mas ainda não entendeu? Mas é burrinha mesmo, né, olha: eu te possuo, eu te possuo. Se não te possuo, só de existir e sair por aí fazendo o que te dá na telha fará com que eu te possua, mostra que quer ser possuída, entende? Claro que posso invadir. Mas isso é só lógica! Do que adianta não saber fazer alimentos? Prepará-los com carinho e amor? Não vê o privilégio que isso é? Ahn tá, pode sim, trabalhar fora pois é importante não é, mas se desdobre então, e não vai ficar aí se achando com esse empreguinho. Coisa mais cafona. Quer uma coisa e não a outra? Não leu a revista não? Ninguém lá reclama de nada, todas lindas, gostosas (já falei gostosa?) e felizes. Aprenda. Mas porque você está desejável? Tá querendo o quê com isso, não me respeita! Tá difícil sua vida? Mas até que isso que você fez é legal, é bacana. Mas porque você precisa me deixar de lado para fazer isso? Isso lá te preenche? Eu te preencho. O resto é… é… entreterimento. Não leve isso muito a sério. É só piada, não vê? Nessas revistas não ensinam ter humor não? Ahn, já tá gritando, perdeu a esportiva! São todas histéricas mesmo. Ou é TPM. Começa gritar já sabe, ficar revoltadinha, é TPM. Batata.

Mas isso sou eu.

Mas é assim que tudo funciona, não vê? Ahn, fica aí com sua dificuldade. Mas você sabe que essa sua dificuldade é pouca coisa, não sabe? Adora reclamar de barriga cheia. Me deixou de lado? Sua punição será ficar pra titia.

Qual o problema de ser titia?

Não leu? Só vale alguma coisa se tiver EU do seu lado. Como não é pra me agradar? Eu estou aqui com meus problemas existenciais (já falei pra nunca deixar de ser gostosa?) e você aí papagaiando. Puxa, não tenho paciência. Além do mais, competem entre si. Hahahahahaha! Deve estar lendo besteiras na internet, só pode.

Mas ó, mesmo assim eu fico do seu lado, viu, sou super bom. Mas que seria respeitável da sua parte vestir melhor, bloquear homens no facebook, me acompanhar, me amar, me mimar, me alegrar sempre, isso seria. Esse assunto já cansou. Burrinhas mesmo. Fica pelada logo.

 

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Quereres

Queria fotografar minha própria pele por dentro, a queimar, nervosa, a coçar, alérgica, com vermelhos, erupções, sentidos. Sonho sempre contigo, na maioria das vezes, acordo às gargalhadas. Queria conversar contigo sobre o Valter, sobre o Rosa, sobre Cícero e Wado, sobre as mazelas impoliticáveis desse nosso mundo, queria rir, ouvir e ser ouvida por ti. Sobre full(s) album(s) (ou  não), sobre palavras, sobre amar o ofício. Queria cuidar de ti também, alisar sua tatuagem enquanto fala da solidão de existir. Queria ouvir você, queria te ver todo dia. Queria ser eclética ao seu lado, ouvir e ver Céu. Você me cuida. Queria conversar das flores na janela, nas garrafas, dos sentidos maiores de tudo. Queria que você sentisse ternura pela criança, que perdoasse essa minha tosca capacidade de crueldades cotidianas. Queria chorar junto, compartilhar vergonhas e fracassos. Desfrutar contigo alguma paz, algum êxito de algum projeto de algum tempo de alguma vida. Queria a verdade entre nós, conversa solta, real. Queria a não mágoa, a mundana vontade de estar perto. Queria a carne queimando perto de ti, e sentir de novo meu coração sair pela boca quando te vejo de longe, e sentir as bochechas queimando, quentes por estar perto de ti e sabendo que estás a me olhar. Queria poder mudar todo dia, ser outra a cada instante, ser instável, despenteada, unhas com os cantinhos sujos e aquele cheiro de alho nas mãos depois de cozinhar. Queria poder sentir esse conforto da não perfeição ao seu lado. Quem sabe poder peidar, arrotar, tirar meleca do nariz, quem sabe te ver fazer isso e achar graça, queria essas alegrias pra além do gozo que arrepia.

 

Mas também, quem disse que a gente pode ficar querendo coisas assim? Pode nada.

Arm

 

 

 

Tudo bem, Zé?

Tudo bem? Ahn? Sai daqui ainda não. Calma. Um minuto de ausência é muito, vai fazer diferença no final. Reformular velhas crenças, quando se é mais generosa. Possibilidade de se expressar sem ser fuzilada ou aquele velho problema de ser não-compreendida. Amanhã a gente se vê aqui, na mesma hora? E o Gabriel? É, ele está aí, Zé. A mãe disse que vinha buscar… Ouça aqui, velho homem em corpo de menino bonito, escute bem, há amor no ar. Existe o bem querer e existe a vontade de querer ficar junto, ali, né, Zé? O que você acha? Seria possível mudar? Aponte o dedo para seu velho coração, ali, bem no meio, um pouco pra esquerda. Aponte e desfira um golpe certeiro. Zé, ô Zé, tem um caído aqui, corre! São os efeitos colaterais, já sabia que isso aconteceria! Ela sofria pequeno (engraçado sofrer pequeno) quando ficava longe do olhar dele. Mas nunca entendeu isso direito. (Aí, vem a tia e aconselha… Você tem muito de mim, sozinha demais. Eu só fui ceder à uma paixão com quase sessenta anos! Ceda, ceda… ) Ô Zé, ela não está respirando, não seria a hora de procurar ajuda? Ruidinhos e texturas nos murmúrios. Aliás, ela não tem lugar de permanência, vazia que estava. O vazio é claro, barulhento e cheio dos sentidos muitos. Gente, mas o combinado não foi que o momento era de espera? Não? Como não? Era sim, era sim. Era pra ser assim. Era pra não ter mais dúvidas sobre si mesmo. Ei! Abre a porta! Pode entrar, só está encostada. Tem cor aí dentro, em cima da mesa.

 

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Loop

Ahn, é viu. Ahn, ném. Ele não diz que ela só faz falta e que este ciclo está associado como amiga. Mas é um saco. Nada funciona, nada resolve, dentro dessa vontade que insiste em ir contra à lógica. Um porre. E sabe que é amor, quando olha e enternece, é assim que a gente sabe que tá amando. É o nível crítico de ternura. É como desdar um abraço quentinho. Poxa. Dói tudo, respirar, comer, andar, pensar. A gente fica doente, né? É tamanho desassossego, que exaustivo. Ahn, mas é aquilo, é aquilo outro, tal vício, e sempre abaixa a cabeça e sai ensimesmada, uma tranqueira. Queria as coisas às claras, queria isso. Uma luta pra ficar racional, pra seguir com sua vida, pra encontrar alegrias em coisas que não sejam lembranças. Aí fica essa luta pra recuperar um teco da autoestima (completamente destroçada, irreconhecível), e se pega sempre com palavras… olha, você está bem? Você nunca fala sobre isso, mas sempre fala sobre isso. Existiram queixas, inclusive, sobre a maneira como tudo aconteceu. Íh, cansou de procurar os porquês, por quês, pra quês. Com o tempo a falta respostas ia deixando as coisas piores, aí chegou que nem quer saber mais também. Ahn! Saco. Ficar assim só gera um mergulho num escuro que putaquepariu. Olhou pra garrafa com as flores da semana passada, e não resolveu-se. Saco.

 

 

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Tombos

Quanto maior a altura, mais longa a queda, dizem, né, não dá pra ter tudo (carai sô!). O que lhe atormenta neste momento? Segura, aperta, dá um nó. Faz um bem danado depois que passa perseguir uma tendência a expor suas fragilidades mesmo na correria… Elas estão exauridas por seus trabalhos hoje. Então, calma. O fator histórico torna complicado a estadia sadia por lá. Procura um abrigo para si e seus delírios, um porto seguro, dos bons, ainda que imaginário (alguns livros pra ler, algumas letras pra escrever). Muito embora possam incomodar bastante, há a vantagem de serem livros que esquecemos (ou o corpo, ou a mente) caso isso seja necessário.  À medida que lemos. Quando terminamos, só nos resta recomeçar um outro, o próximo. Exercício da importância das diferenças caminhando no incerto e idolatrando a dúvida (já foi dito isso aqui), buscando estímulos mais curiosos a fim de aprimorar a capacidade de espera. Os escritos ficam lá do lado dela, bem visível, pra que não caia na tentação de se esquecer deles. Para entender que nem tudo é possível  ‘aprender a romper com ilusões e mentiras’. Pareço um brownie ‘sensual’ com espuma de maracujá para o dia dos namorados, só que com alguma coisa que se quer realizar.

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